Título: Falta de qualidade no pré-natal preocupa
Autor: Rodrigues, Karine
Fonte: O Globo, 18/09/2011, O País, p. 19

Ministério da Saúde reconhece que atendimento é "muito desigual" e que índice de morte deve ser zero

Para a doutora em Saúde Pública e professora da Universidade de São Paulo Ana Cristina Tanaka, casos como o de Alyne, Marcela, Bianca e Joseane refletem problemas na assistência ao parto e à gestação.

- A cobertura do pré-natal melhorou. Mas há problemas na qualidade do serviço. É preciso acabar com a empurroterapia - diz Ana Cristina, citando o desrespeito à lei 11.634, de 2007, que garante à grávida assistida pelo SUS o direito de saber, já na primeira consulta do pré-natal, qual hospital procurar ao longo da gravidez e na hora do parto.

Apesar disso, as amigas Renata Martins e Josiane Rodrigues Ferreira, ambas de 34 anos, que fizeram o pré-natal em uma unidade municipal de Vila Isabel, na Zona Norte, só foram informadas sobre o hospital que deveriam procurar no fim da gestação.

Entraves para conseguir um serviço eficiente ajudam a explicar a alta taxa de mortalidade materna no país, avalia o responsável pela comissão de mortalidade materna da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, Hélvio Bertolozzi Soares, do Paraná:

- A falta de qualidade do pré-natal é a grande responsável. Além disso, temos problemas na assistência ao parto e no acesso sofrível, já que, diariamente, mulheres enfrentam hospitais lotados na hora de ter o bebê. Vivemos uma situação grave. É como se, todos os anos, caíssem no Brasil uns dez Boeings lotados de grávidas.

As mortes maternas são, em sua maioria, do tipo obstétrico direto, decorrentes de intervenções, omissões ou tratamentos incorretos na gravidez, no parto ou nas seis semanas após o nascimento do bebê. Morre-se, principalmente, por hipertensão, hemorragias e infecções.

Mas no país, os dados oficiais não retratam a realidade. Além de falha no registro de óbitos, há mortes maternas que são atribuídas a outras causas. Quando o trabalho de checagem está em um nível adequado, todos os óbitos de mulheres em idade fértil são investigados, não só os suspeitos. No Paraná, onde cada prontuário é avaliado, reduziu-se o indicador de 67,1 em 1995 para 12,07 em 2009, nível igual ao de países desenvolvidos.

Para conhecer melhor a dimensão do problema e traçar estratégias de combate à mortalidade materna, o Ministério da Saúde prepara uma mudança no sistema de registro dos óbitos.

- Não estamos ainda com formato pronto, mas podemos ter uma notificação on-line, para todo mundo saber que houve uma morte - diz o secretário de Atenção à Saúde do ministério, Helvécio Magalhães.

Sobre os casos que, dia após dia, ocorrem no Brasil, admitiu que a atendimento ainda é "muito desigual":

- Às vezes, as mulheres têm de percorrer longas distâncias. Na região Norte, assim como também nos grandes centros, estão acontecendo casos absolutamente inaceitáveis. O objetivo de qualquer sistema de saúde tem de ser morte materna zero. Como parto não é doença, não é de se esperar sequer uma morte. Essa tem que ser a meta.

Doutora em Ciências na Área da Saúde Pública, Enirtes Melo participa de um grupo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que analisa os fluxos de gestantes entre o lugar de residência e o local do parto, no Rio. Para descrever a situação, cita a "lei do cuidado inverso", segundo a qual a disponibilidade da assistência varia inversamente com a necessidade da população, ou seja, quem mais precisa, menos tem.

Sobre a morte de Joseane Calazans da Silva, a direção da Maternidade Carmela Dutra declarou que a paciente "recebeu toda a assistência necessária" e justificou que a "gravidade do quadro inviabilizou a transferência imediata da paciente". Diz ainda que o caso está sendo investigado pelo comitê da unidade.