Título: Mão forte do PT racha a máquina
Autor: Pires, Luciana
Fonte: Correio Braziliense, 26/08/2009, Economia, p. 13

Interferências na Receita Federal são ápice do aparelhamento que o governo está montando para favorecer a candidatura da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à sucessão do presidente Lula em 2010. Auditores preparam dossiês para mostrar a verdade do que ocorre no Fisco

O desmonte da cúpula da Receita Federal provocada por ação direta do Palácio do Planalto e do Ministério da Fazenda é apenas um entre tantos exemplos de ações políticas do partido do governo na administração pública. A mão pesada do PT já alcançou boa parte dos órgãos técnicos que dão sustentação ao Estado. Com a proximidade das eleições, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara o terreno para adequar a máquina a um modelo de gestão contestado por especialistas, servidores e entidades ligadas ao funcionalismo.

Divergências entre ministros, presidentes ou diretores de órgãos importantes provocaram sucessivas mudanças em setores que vão da regulação à Polícia Federal, passando pela área de pesquisa e meio ambiente. ¿É um perigo. Pode ser que o Brasil esteja copiando a Argentina, que por conveniência ideológica-partidária mexeu até nos índices de inflação¿, diz Marco Antônio Villa, historiador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Polêmicas que colocaram em lados opostos altos dirigentes e o governo ficaram claras ao longo dos últimos três anos na divisão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), na substituição do comando de órgãos como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Polícia Federal e nas indicações políticas para cargos de destaque em estatais e agências reguladoras (leia mais na página 14).

Com as demissões no Fisco, motivadas pela fiscalização maior a grandes empresas, potenciais doadoras da campanha da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, à sucessão de Lula, o governo pode ainda ter detonado uma bomba de efeito retardado. Os servidores ligados à ex-secretária Lina Maria Vieira ¿ que entregaram os cargos alegando ingerências políticas no órgão ¿ têm informações preciosas sobre a Receita e os supostos desmandos praticados nos meses que antecederam a queda de Lina. ¿É possível que apareçam dossiês e que haja o uso indiscriminado de dados pessoais em favor deste ou daquele interesse. Acho que teremos em 2010 a campanha presidencial mais violenta da história do país¿, completa Villa. Na avaliação do estudioso, a máquina está sendo ¿azeitada¿ para blindar a candidatura oficial e minar qualquer investida dos adversários.

Organizados em uma superentidade, 21 associações e sindicatos que representam a elite do funcionalismo federal ¿ cerca de 100 mil servidores públicos ¿ protestaram. Em nota, o Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas do Estado (Fonacate) advertiu que é preciso garantir autonomia institucional. ¿Herança dos tempos absolutistas, cultivada com afinco durante os regimes ditatoriais, o nosso país infelizmente ainda não conseguiu o necessário aperfeiçoamento do regime democrático, pois mantém o poder do presidente da República e de ministros de Estado para nomear e afastar dirigentes de instituições com competência para o exercício de atividades exclusivas de Estado¿, reforça o documento.

O comunicado dos representantes das carreiras da Segurança Pública, Defensoria Pública, Previdenciária e do Trabalho, Tributária, Ministério Público, Advocacia Pública, Fiscalização, Finanças e Controle cobra do governo ¿pesos e contrapesos entre os poderes¿, em referência ao Fisco. ¿O poder absoluto dos governos dos entes federados, sem revelar claramente a sua motivação à sociedade, dá oportunidade a que razões pessoais ou interesses inconfessáveis de partidos políticos imperem em detrimento do interesse público. Não há distinção entre motivos defensáveis e interesses impronunciáveis¿, justifica o comunicado.

Panos quentes

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, esquivou-se durante todo o dia. Apontado como um dos mentores da dança de cadeiras na Receita, preferiu não polemizar ontem. O bombeiro escalado pelo governo foi o ministro de Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, que negou qualquer ¿rebelião¿. Segundo ele, a mudança de comando é natural. ¿Há um espírito de corpo presente no episódio, mas as coisas, a partir de hoje (ontem), estão serenadas.¿

A atuação da Receita daqui para a frente é uma incógnita. Pelo menos para os servidores que acompanham as turbulências de perto. ¿Ninguém sabe qual vai ser o foco¿, explica um técnico da Receita. Nos primeiros sete meses do ano, o país deixou de arrecadar R$ 30,6 bilhões.

O número O impacto R$ 30,6 bilhões Queda da arrecadação de impostos em 2009

Lina faz alerta

Uma semana depois de confirmar, no Senado, o encontro com a ministra da Casa Civil, no qual Dilma Rousseff teria pedido que o Fisco ¿agilizasse¿ as investigações sobre a família Sarney, a ex-secretária da Receita, Lina Maria Vieira, reapareceu. Em tom conspiratório, disse ontem, por meio de nota, que as demissões no órgão indicam um ¿perigoso recuo no processo de fortalecimento das instituições de Estado no Brasil¿. Exaltando o papel do servidor, Lina chamou a atenção para a relevância dos mecanismos institucionais que garantem o funcionamento da máquina burocrática.

¿As instituições de Estado ¿ como é o caso da Receita Federal ¿ somente poderão exercer o seu papel constitucional se compostas por servidores que primem pela ética no serviço público, imunes a influências políticas de partidos ou de governos¿, escreveu a ex-secretária. De acordo com Lina, ¿os governos passam, o Estado fica e, com ele, os servidores públicos¿.

A ex-comandante do Fisco classificou como ¿pessoas sérias e de competência inquestionável¿ os antigos colaboradores e disse que o único ¿pecado¿ desses técnicos ¿foi o compromisso com um projeto de uma Receita independente e focada nos grandes contribuintes¿. (LP)

As instituições de Estado somente poderão exercer o seu papel constitucional se compostas por servidores que primem pela ética no serviço público, imunes a influências políticas de partidos ou de governos¿

Lina Maria Vieira, ex-secretária da Receita Federal