Título: Corporativismo ameaça CNJ no Supremo
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Fonte: O Globo, 27/09/2011, Opinião, p. 6

A aprovação da emenda constitucional número 45, no final de dezembro de 2004, deu início à reforma do Poder Judiciário, estacionada em gavetas do Congresso havia mais de uma década. Ali começou a tramitar uma sucessão de projetos destinados a atacar um dos maiores problemas dos tribunais brasileiros, a lentidão, irmã gêmea da burocracia.

A instituição de instrumentos como o da súmula vinculante e da repercussão geral produziu efeitos imediatos, ao fazer andar a fila de processo nas Cortes de última instância. A possibilidade de o Supremo Tribunal Federal, por maioria qualificada de votos, estabelecer veredicto único para ações idênticas - por meio de súmulas - começou a desengarrafar a Justiça. Bem como, ao poder escolher o que julgar, em função da "repercussão geral", o STF passou a qualificar a sua pauta, como deve ser.

Mas não é fácil modernizar um segmento do Estado que se esclerosou. Mesmo com todos os avanços acontecidos desde a promulgação daquela emenda, persistem resistências decorrentes do corporativismo, uma das características do Poder Judiciário.

Boa parte dos conflitos derivados da cristalização de prerrogativas e poder de grupos dentro do Judiciário ocorre na ação corretiva e reguladora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instituído pela Emenda 45. Mal batizado de "controle externo" da Justiça - afinal, além de ser presidido pelo presidente do STF, o conselho é composto em grande maioria por representantes do próprio Judiciário -, o CNJ cumpre missão estratégica: elevar a geralmente baixa qualidade administrativa dos tribunais e fazer um trabalho-chave de correição. Há inúmeros exemplos de atuação acertada da corregedoria do CNJ.

Pois esta função do conselho corre riscos, com a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) impetrada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra a Resolução 135 do conselho, baixada em julho. Ela trata da atuação do CNJ no campo administrativo e disciplinar e foi considerada uma extrapolação de poder pela AMB. A Adin poderá ser julgada nesta quarta, a partir do voto do relator da ação, ministro Marco Aurélio Mello.

Está em questão a própria eficácia do CNJ, como ele foi idealizado e criado pelo Congresso. Se depender da AMB, o conselho será manietado na atuação disciplinar, pois, aprovada a Adin, só poderá atuar depois das corregedorias de cada tribunal. Será convertido em simples instância de recurso às decisões dessas corregedorias, que, como se sabe, não se notabilizam pela rapidez e assertividade nos veredictos.

A associação dos juízes, ciosa na defesa da corporação, tem pelo menos um contencioso anterior com o CNJ, referente ao horário de trabalho dos magistrados. Ao ser estabelecido pelo conselho, como recomenda o bom-senso, um expediente-padrão para os tribunais em todo o país, a AMB também recorreu ao Supremo em defesa de peculiaridades e costumes regionais. Nenhuma preocupação, por óbvio, com os clientes dos magistrados - a população.

A investida, agora, contra o CNJ é mais grave, porque ameaça fazer retroceder o Poder Judiciário a uma fase em que a independência do juiz, cláusula pétrea em qualquer estado de direito democrático, era confundida com inimputabilidade.