Título: Suspeito de alta patente
Autor: Araújo, Vera; Ramalho, Sérgio
Fonte: O Globo, 28/09/2011, Rio, p. 16

Tenente-coronel preso como mentor da execução de juíza é acusado de receber "espólio" do tráfico

Preso acusado de ser o mentor da execução da juíza Patrícia Acioli, o tenente-coronel Cláudio Luiz da Silva Oliveira, ex-comandante do 7º BPM (São Gonçalo), é suspeito ainda de receber "espólio" do tráfico. Um cabo, que está preso pela morte da magistrada e decidiu colaborar com a polícia em troca do benefício da delação premiada, contou em seu depoimento que o oficial receberia parte das apreensões feitas irregularmente por policiais durante as operações do Grupamento de Apoio Tático (GAT). Segundo o delegado da Divisão de Homicídios, Felipe Ettore, responsável pela investigação, a juíza estava buscando elementos para provar a participação do tenente-coronel em grupos de extermínio e casos de corrupção. Após a execução de Patrícia Acioli, em 11 de agosto, Cláudio Luiz foi transferido de São Gonçalo para o 22º BPM (Maré), de onde foi exonerado ontem.

- O tenente-coronel sabia que ia ser preso cedo ou tarde. A juíza estava no encalço dele - disse Ettore, ontem à tarde, durante entrevista coletiva no Tribunal de Justiça.

O delegado, que classificou o crime de trama diabólica, disse que a execução foi arquitetada em abril deste ano. O grupo teria tentado matar a magistrada outras duas vezes. Além do tenente-coronel, nove PMs foram presos até agora. À tarde, o oficial foi levado para a Divisão de Homicídios, na Barra. Ficou lá por cerca de cinco horas, mas não depôs.

- Sou inocente. Tenho certeza de que isso vai ser provado. Acredito na Justiça - disse o tenente-coronel.

Cabo confessou ter atirado em juíza

Em pouco mais de duas horas de depoimento à Justiça, o cabo admitiu ter atirado na magistrada e disse que a execução foi tramada pelo tenente Daniel Benitez, que chegou a propor a contratação de uma milícia do Rio para cometer o crime. O pagamento seria feito com o "espólio" obtido pelos policiais. A ideia não foi adiante.

De acordo com o cabo, Benitez era o homem de confiança do tenente-coronel Cláudio, com quem atuou em três unidades da PM antes de os dois serem lotados no 7 º BPM. No depoimento, o cabo acrescenta que o tenente era o responsável por repassar ao ex-comandante a caixinha do tráfico das comunidades do Salgueiro e da Coruja. O valor era pago semanalmente aos policiais do GAT do 7º BPM.

Ainda de acordo com o colaborador, as armas usadas no assassinato da juíza eram "espólio" de operações em favelas de São Gonçalo. Uma delas, a de calibre 40, foi apreendida no Morro da Coruja. Segundo o PM, parte da munição utilizada era do 7º BPM e parte fora apreendida em favelas. Outra arma do crime, o revólver calibre 357, ficou com Benitez, que, segundo o depoimento, também adquiriu a moto usada na emboscada contra Patrícia. O carro utilizado no crime, um Palio vinho, foi incendiado na mesma noite, no bairro Santa Luzia.

O cabo contou ainda que o GAT atuava nas favelas mais perigosas de São Gonçalo. A cada 24 horas, eles eram cobrados, para que fizessem grandes apreensões de drogas e armas. De acordo com o depoimento, o grupo não apresentava o material à delegacia. O dinheiro arrecadado ficava com a equipe.

De acordo com o cabo, a juíza escapou de duas tentativas de emboscada montada pelos policiais. Numa, ocorrida uma semana antes do assassinato, ela escapou por não ter ido ao Fórum de São Gonçalo. O cabo acrescentou em seu depoimento que, dias antes do assassinato, um dos policiais envolvidos no plano havia perdido o rastro da juíza. O PM estava incumbido de seguir Patrícia, mas acabou perdendo a magistrada de vista no Centro de São Gonçalo.

Fundamental por apontar a participação do tenente-coronel na trama, o depoimento cita ainda a participação de um PM do 12º BPM (Niterói), que levou o tenente Benitez até a casa da juíza, em Piratininga, durante o planejamento do crime. O policial do batalhão de Niterói ainda não foi preso, por isso não teve o nome divulgado.

O cabo afirmou ainda que, após ter sido preso, juntamente com o tenente Benitez e outro cabo, o tenente-coronel Cláudio esteve no batalhão Prisional Especial para conversar com os três. Na visita, no domingo do Dia dos Pais, que não foi registrada no livro de entrada da prisão, o então comandante do 7º BPM se comprometeu a ajudar os três PMs, inclusive indicando um advogado para defendê-los.

O presidente do TJ, desembargador Manoel Rebêlo dos Santos, ressaltou que a prisão de um mandante de crime é um fato raro no país.

- Sempre chegamos aos executores, mas poucas vezes no Brasil se consegue chegar ao mandante - frisou o desembargador.

Perguntado se a prisão de um comandante de batalhão afetaria a posição do comandante-geral da PM, coronel Mário Sérgio Duarte, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, disse que o oficial continua gozando de sua "plena confiança". Beltrame disse ainda que o fato de o tenente-coronel ter sido transferido para o 22º BPM uma semana após a morte da juíza não significou uma proteção ou promoção.

O presidente da Associação de Magistrados do Rio de Janeiro, Antônio César de Siqueira, lamentou que um comandante esteja sendo acusado de ser mandante do crime:

- É lamentável que pessoas que ocupam cargo de comando estejam à frente de um ataque à democracia brasileira.

Três anos manchados em três meses

Em três meses, três casos emblemáticos envolvendo PMs jogaram um balde de água fria na onda de esperança iniciada com a ocupação de morros no Rio, em 2008. Em junho, o menino Juan, de 11 anos, foi morto a tiros durante uma ação da PM na Favela Danon, em Nova Iguaçu; em agosto, a juíza Patrícia Acioli foi executada com 21 tiros por dois PMs, quando chegava em casa, em Niterói. Já em setembro, 11 policiais da UPP do Fallet, em Santa Teresa, foram acusados de receber propina de traficantes.

- A expectativa gerada pelas UPPs foi excessiva. Os episódios põem fim à lua de mel entre a população e a política de segurança. Quantos outros casos classificados de isolados, como esses, ainda virão? - questiona José Vicente Filho, ex-secretário Nacional de Segurança.

Embora considere grave os episódios, a coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, Julita Lemgruber, aponta a reação do comando da PM como o aspecto positivo em meio à sucessão de barbáries feita por policiais.

- Esses casos contribuem para aumentar a preocupação da população. Por outro lado, já houve tempo em que ocorriam fatos gravíssimos e nada era feito, diferentemente do que estamos vendo agora.