Título: O correto adiamento do caso CNJ
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Fonte: O Globo, 30/09/2011, Opinião, p. 6

Agiu com acerto o Supremo Tribunal Federal (STF) ao adiar o julgamento, previsto para anteontem, da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) movida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra prerrogativas da corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Poder Judiciário.

O fato de o CNJ processar e punir juízes por sobre as corregedorias dos tribunais é o centro de uma polêmica cuja temperatura alcançou níveis de combustão espontânea, com a impensada entrevista concedida pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Eliana Calmon, corregedora do CNJ, em que ela cometeu o erro de generalizar acusações contra magistrados.

Foi correta a posição do Supremo, porque não convém que qualquer contaminação de um posicionamento da Justiça, ainda mais num assunto tão grave, venha a ser causada por questões alheias à Lei. Desavenças pessoais e lobbies corporativistas têm de ser mantidos ao largo dos tribunais.

A ministra Eliana Calmon se excedeu na entrevista, mas continua intacta a importância do que o Supremo julgará. Excessos de linguagem, de que lado vierem, não podem condicionar o voto de ministros do Supremo diante da perigosa arguição da AMB sobre o raio de alcance da atuação da corregedoria do CNJ. Não importam as pessoas que se encontram de passagem em cargos no Conselho, mas a preservação da essência do órgão tal qual ele foi criado pela Emenda Constitucional 45, em fins de 2004.

A atuação do CNJ chega a exceder as expectativas que havia com a criação de um organismo de supervisão da Justiça, sem interferir, óbvio, na independência do juiz em lavrar sentenças. Na parte administrativa, onde há graves deficiências no Judiciário, o Conselho tem estabelecido metas e cobrado eficiência na tramitação dos processos - como deveria ser em todo o serviço público. No campo da ética, destaca-se a normatização do emprego de parentes, para conter o nepotismo, uma das características negativas da Justiça.

Em todos os campos de atuação do CNJ ocorrem atritos com magistrados, pois na Justiça jamais houve qualquer ação efetiva e abrangente para disseminar as melhores práticas nessa gigantesca máquina burocrática. Chega a existir um choque cultural entre o CNJ e tribunais regionais.

Todo esse relacionamento atribulado está representado na arguição da AMB sobre a capacidade de o CNJ investigar magistrados acima da atuação das corregedorias dos tribunais. A associação quer reduzir o Conselho a uma espécie de órgão de segunda instância das corregedorias. Se estas agirem, o CNJ poderá atuar, mas depois de um desfecho no processo disciplinar. Se não agirem - é o que costuma acontecer, devido ao corporativismo -, o Conselho ficará de mãos atadas. Não seria bom para o Judiciário. O adiamento da decisão sobre a Adin serve para os ministros discutirem modelos que, sem tirar espaço das corregedorias regionais, mantenham a atuação saneadora do CNJ.

O objetivo deve ser não castrar o Conselho. Há no Senado a ideia de, por emenda constitucional, ser restabelecido qualquer poder fundamental subtraído do CNJ neste julgamento. Mas o ideal é não haver confronto entre Legislativo e STF.