Título: Depois da concessão, investimento atrasa
Autor: Maltchik, Roberto
Fonte: O Globo, 18/09/2011, O País, p. 3

Sem investir nas rodovias, acidentes aumentam 190%

Enquanto o volume de acidentes avança nas rodovias federais entregues à administração de empresas privadas, na segunda etapa do Programa de Concessões Rodoviárias, as concessionárias investem menos do que o previsto originalmente em contrato. E a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) age, por resoluções, para retardar as principais obras, que deveriam ocorrer nos primeiros três anos de cobrança de pedágio (2007-2009). Os números de 2009, os últimos fornecidos pela agência, mostram que há casos em que triplicaram os acidentes em relação ao ano anterior. Nos sete trechos privatizados, o total de acidentes subiu de 9.961 em 2008 para 28.947 em 2009, um crescimento de 190%.

Em quatro das sete concessões - Litoral Sul (BR-116/PR - BR-101/SC), Régis Bittencourt (BR-116 - SP/PR), Fluminense (BR-101/RJ) e Rodovia do Aço (BR-393/RJ) -, o investimento era, em 2009, de menos de 10% do previsto no Programa de Exploração Rodoviária (PER). Nos editais, o PER listava obras caras de duplicação e contorno como prioridades dos primeiros anos. Em só uma, a BR-101/SC, o registro de acidentes cresceu 222%. Agora, a programação de obras está sendo revista. Nem por isso o preço do pedágio caiu.

Apesar da resistência da ANTT a fornecer o balanço atualizado dos gastos com obras, a OHL, responsável por cinco das sete concessões da 2ª etapa, diz que investiu, de fevereiro de 2008 a dezembro de 2010, R$1,7 bilhão. O valor corresponde a 26,5% do PER. Porém, nem a empresa nem a agência informaram quanto era necessário investir até agora e quanto já foi de fato investido, ainda que o órgão vinculado aos Transportes admita que já concluiu o estudo do cronograma de 2010 sobre cinco das sete concessões.

A ANTT sustenta que os cronogramas passaram a ser revisados pois os editais estavam "errados", nas palavras do superintendente de Exploração de Infraestrutura Rodoviária, Mário Mondolfo. Para o Ministério Público Federal, é uma aberração jurídica. O procurador Mário Sérgio Ghannagé Barbosa, de Santa Catarina, ajuizou três ações civis públicas para questionar a cobrança de pedágio na Autopista Litoral Sul, que liga o Paraná (BR-116) a Santa Catarina (BR-101), numa extensão de 382,30 quilômetros.

Ele diz que a concessionária já deixou de investir R$240 milhões, considerando-se o programado para os primeiros três anos de contrato. A principal obra, o contorno rodoviário de Florianópolis, deveria acabar em fevereiro de 2012, quarto ano de concessão. Com a resolução 3.312 da ANTT, de 5 de novembro de 2009, a obra deve começar em 2012 e terminar em 2015.

- É uma vergonha nacional o que está acontecendo. O resultado é que os acidentes aumentam por falta de balanças, radares e por problemas no asfalto. Vamos buscar a responsabilização individualizada dos gestores da ANTT - diz o procurador.

A Justiça ainda não se pronunciou sobre as ações do MPF. Estudo da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) aponta que, de todas as revisões no programa de execução de obras, 18 beneficiariam a concessionária e cinco, os usuários. O caso já chegou ao Tribunal de Contas da União, que nas próximas semanas deve concluir auditoria do trecho rodoviário. Os procuradores do grupo de Transportes do MPF já preparam requerimentos para solicitar auditoria operacional em todo o programa.

Teoricamente, o adiamento de obras, em relação ao edital de 2007, deveria se refletir no preço do pedágio. Mas nas sete concessões da 2ª etapa houve reajuste, e nenhum aumento ficou abaixo da inflação no período. A tarifa mais cara é a da Rodovia do Aço, no Rio: R$4,10 para carro de passeio.

No Paraná, o presidente da Federação das Empresas de Transportes de Cargas, Gilberto Cantú, reconhece melhorias em relação ao passado de abandono na Régis Bittencourt, a "estrada da morte". Mas diz que as principais obras de acesso às cidades vizinhas à rodovia e de duplicação na Serra do Cafezal estão bem longe do fim, apesar da promessa de conclusão nos primeiros anos de cobrança de pedágio. Ele relata que não há fiscalização da agência reguladora:

- Isso é certo, os fiscais não estão aqui. Não sei por que isso ocorre.

Em 2009, segundo o último relatório disponível, a ANTT contabilizou 42 infrações das concessionárias. Nesse relatório, a ANTT admite que não mediu, por exemplo, a relação entre a capacidade das rodovias e o volume de automóveis nos trechos concedidos.