Título: A crise na Receita Federal
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Fonte: Correio Braziliense, 26/08/2009, Opinião, p. 18

A Secretaria da Receita Federal do Brasil exerce funções que a situam em posição específica e singular entre os órgãos estratégicos do Estado. É circunstância que decorre da obrigação de assegurar fluxo seguro de recursos para a execução dos planos de governo. Usa para tanto a fiscalização sobre os agentes sujeitos à incidência de impostos, o combate à sonegação fiscal, o controle aduaneiro e participação na repressão ao contrabando e à lavagem de dinheiro, entre dezenas de outras ações. São deveres que impõem a necessidade de revestir o órgão do mais elevado grau de independência operacional e autonomia administrativa.

Diante do papel crítico que lhe é reservado, é fácil intuir a gravidade da crise instalada na Receita desde segunda-feira, quando 12 ocupantes dos mais altos cargos de direção ¿ o subsecretário Jorge Freitas da Silva, seis superintendentes e cinco coordenadores ¿ pediram demissão.

O ato coletivo de exoneração foi adotado para protestar contra a demissão da então secretária Lina Vieira. Em carta ao atual secretário, Otacílio Cartaxo, os demissionários denunciam que o afastamento de Lina representou condenável intromissão política na instituição.

Há outra declaração no documento que adiciona ingrediente conceitual propício a aumentar a tensão interna e a gerar constrangimento ao governo. Dizem os signatários que haviam consentido em ocupar cargos de chefia ¿na crença da possibilidade de construção de uma instituição mais republicana, com autonomia técnica e imune às ingerências e pressões de ordem política e econômica¿.

Já as demissões da chefe de gabinete da secretária destituída, Iraneth Weiler, e do assessor especial Alberto Amadeu Neto foram apontadas como outra ¿clara ruptura¿ das ¿diretrizes que pautavam a gestão anterior¿. Lembra-se de que a degola de Lina veio em seguida à impugnação da Receita à mudança contábil utilizada pela Petrobras para economizar R$ 4 bilhões em recolhimento de impostos As turbulências na Receita Federal guardam maior carga de alarme porque reafirmam tendências intervencionistas na postura do governo. Há pouco, a AdvocaciaGeral da União (AGU) assumiu por meio de portaria a representação judicial do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Multas pesadas impostas a empresas por motivos de concentração econômica inconveniente precederam a decisão da AGU. O presidente do Conselho, Arthur Sanchez Badin, considerou a iniciativa prejudicial à independência e eficiência da entidade.

Em maio de 2007, o governo mudou a cúpula dirigente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), incomodado com as exigências para liberação de licenças ambientais. Projeto de lei submetido ao Congresso pelo Planalto reduz a independência das agências reguladoras, inclusive com a transferência para diversos ministérios da competência original que lhes foi atribuída.

A submissão de instâncias estratégicas do serviço público a interesses insólitos é política de índole suicida. Gera a cultura da ineficácia e da corrupção, destrói a confiança na previsibilidade administrativa e situações prejudiciais ao país ¿ de que é exemplo, agora, a desestruturação da Receita. É hora de refletir e mudar.