Título: Uma reforma política simples e objetiva
Autor:
Fonte: O Globo, 22/09/2011, Opinião, p. 6

Assim como a tributária, a reforma política tem espaço cativo na agenda de governos e partidos. Motivos não faltam. Na tributária, a concentração crescente de dinheiro da sociedade no Executivo, o peso enorme da carga de impostos, uma impenetrável burocracia que o contribuinte é forçado a enfrentar aparecem em todas as exposições de motivos em prol desta reforma. No mundo político, a baixa qualidade da representação, o distanciamento entre eleitos e eleitores e a corrupção são algumas das distorções citadas nos debates sobre a necessidade de mudanças nas leis que regem partidos e filiados.

Mas nenhuma das duas avança. Há tantos interesses enredados nestas questões que é árdua a busca por consensos, mesmo pontuais. A melhoria do cenário na política, porém, ao contrário do que alguns pensam, não depende de uma reforma no sentido heroico da palavra. Alguns poucos ajustes serão capazes de produzir grandes efeitos.

A tentativa em curso - mais uma - de "reforma política" comete erros de investidas anteriores, como o de propor mudanças em excesso, polêmicas e até mirabolantes.

O relatório de mais esta iniciativa reformista, do deputado Henrique Fontana (PT-RS), da comissão especial formada na Câmara para tratar do tema, também parece muito longe de conseguir tramitar sem percalços.

Mudanças que mais dividem do que unem estão incluídas no relatório. Uma delas, o voto em lista fechada, é defendida com vigor pelas caciquias partidárias, únicas beneficiadas pela cassação do direito do eleitor de escolher em quem deseja votar. Fontana, porém, para aplacar a justa oposição à lista fechada sugere uma segunda lista, aberta. As cadeiras nas Casas legislativas seriam preenchidas, meio a meio, pelos dois modelos. Outra enorme confusão.

O mesmo dualismo, pelo relatório do deputado gaúcho, ocorreria no financiamento: seria público e privado, ao mesmo tempo. Ora, público-privado ele já é (vide o fundo partidário e a compensação tributária pelo horário eleitoral dito gratuito, mas pago pelo contribuinte). Em vez de se complicar o mecanismo de financiamento, deveria ser dado mais poder aos mecanismos de fiscalização eleitoral.

Gastam-se há anos muito tempo, papel e saliva num debate estéril, quando se deveria centrar fogo em questões-chave. Uma delas, o fim das coligações nos pleitos proporcionais (Câmaras e Assembleias), uma fraude praticada contra a vontade do eleitor. Ainda mais nos últimos tempos, em que alianças partidárias passaram a ser costuradas muito pelo fisiologismo, e inexiste qualquer coerência em muitas delas. Assim, eleitores do PT costumam, com seu voto, sem saber, eleger excelências conservadoras do PP, PR etc. E vice-versa.

O fim puro e simples dessas coligações oxigenaria a representatividade política, cujo pedigree seria ainda mais apurado se fosse aprovada uma cláusula de barreira mais séria, mesmo que entrasse em vigor em oito anos, por exemplo. O fim das coligações, porém, já seria quase uma revolução no atual estágio político do Brasil, conjugado com a entrada em vigor para valer da Lei da Ficha Limpa. Voto distrital, mandato de cinco anos sem reeleição etc. são, antes de tudo, alterações inadequadas num sistema eleitoral ainda em fase de consolidação. E que tem funcionado, com distorções sanáveis sem grandes e arriscadas mudanças.