Título: Outra tentativa de onerar o contribuinte
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Fonte: O Globo, 24/09/2011, Opinião, p. 6

Na véspera da votação na Câmara do projeto de regulamentação da Emenda 29, terça-feira, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, foi à Casa, numa vã tentativa de conseguir mais recursos, e disse que seriam necessários R$45 bilhões adicionais. O argumento do ministro para pedir esta montanha de dinheiro - quase três Bolsa Família - foi inconsistente: a cifra equipararia o sistema brasileiro de atendimento público aos de Argentina e Chile.

No dia seguinte, o projeto, destinado a evitar desvios na aplicação das verbas de estados e municípios na Saúde, foi aprovado, com o exorcismo, afinal, da ideia descabida de se restabelecer a CPFM sob o disfarce de CSS (Contribuição Social à Saúde). As pressões de governadores e prefeitos passam agora a ser exercidas sobre o Senado, para onde foi o projeto, antes de seguir para sanção presidencial. As barganhas em torno da regulamentação desta emenda se desenrolam há muito tempo. Aprovado em 2000, este dispositivo constitucional vinculou receitas orçamentárias à rede de saúde pública. À União ficou estabelecido que as despesas com o setor sempre crescerão no ritmo do aumento nominal do PIB, enquanto estados e municípios precisam destinar a hospitais, ambulatórios e postos 12% e 15% das receitas tributárias, respectivamente. Não haviam sido, porém, definidos critérios para evitar o desvio de recursos, vazio legal preenchido agora pela regulamentação. Não será mais possível governadores e prefeitos considerarem, num excesso de esperteza, saneamento, merenda escolar, restaurantes populares, entre outros gastos, como despesas com "saúde pública". E como são estados os que mais manobram para fugir ao espírito da Emenda 29, aparecem mais governadores no lobby pela ressurreição da CSS (CPMF) do que prefeitos. Dados do próprio Ministério da Saúde mostram como certos estados estão longe dos 12% constitucionais: Rio Grande do Sul (4,37%) - eis por que o governador Tarso Genro é grande defensor da CSS -, Maranhão (9,86%), Minas Gerais (8,85%) - Anastasia é outro na linha de frente da recriação da CPMF -, Goiás (9,51%) e o Rio de Janeiro (10,75%), onde Sérgio Cabral considera uma "covardia" o fim da CPMF. A lista é maior que esta. Ou seja, governadores não querem fazer ajuste para se enquadrar na Constituição, desejam passar o ônus para o contribuinte, um cacoete quase atávico na vida pública brasileira. Tanto que, a partir da estabilização da moeda, a carga tributária escalou algo como 10 pontos percentuais do PIB. Mesmo assim, alega-se falta de dinheiro na Saúde. Ora, se sequer sabem como os recursos são aplicados, conforme atesta a Controladoria Geral da União (CGU), como afirmar que faltam "x" bilhões de reais? Há, inclusive, a falácia do fim da CPMF, em 2007, quando R$40 bilhões deixaram de ser arrecadados em 2008. Em poucos meses, o crescimento da arrecadação repôs este dinheiro. Se o governo Lula não destinou os recursos para a Saúde, foi por algum motivo.

Números divulgados pela Fiesp também precisam ser considerados: em 2007, ainda com CPMF, a União arrecadou R$619 bilhões; este ano, sem o imposto, recolherá R$1,1 trilhão, um crescimento de 77%. Já para a Saúde, no período, foram destinados mais 52%.

O discurso, pois, não corresponde aos fatos. Presidente da Câmara de Gestão, Jorge Gerdau foi ao ponto: mais dinheiro só quando se esgotam todas as possibilidade de melhoria de gestão.