Título: Desleixo e falta de compromisso com eleitores, dizem especialistas
Autor: Souza, André de; Bruno, Cassio
Fonte: O Globo, 24/09/2011, O País, p. 4

Mas eles também destacam que sociedade devia acompanhar mais o Congresso

BRASÍLIA E RIO. A sessão meteórica em que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou 118 projetos em três minutos e com apenas um deputado em plenário abala a imagem não só dos envolvidos, mas também da Casa. Cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO dizem, porém, que falta à população um acompanhamento do que acontece no Congresso. Ao comentar o fato de que foi considerado que havia quorum porque 35 deputados assinaram presença e foram embora, o professor Ricardo Caldas, da UnB, comparou a sociedade brasileira a um professor que ignora a frequência dos alunos.

- Os deputados estão longe da base, da sociedade. A sociedade não tem controle sobre seus representantes. Como a sociedade não controla, qualquer coisa pode acontecer - afirma Caldas, acrescentando: - É como o aluno que vai para uma aula, espera a chamada, dá o nome e vai embora. Ele esteve lá? Assistiu à aula? Não. Aí vai depender da flexibilidade do professor. Se estivéssemos numa sociedade que cobrasse mais, isso não seria aceitável. Mas, como os padrões estão muito roídos na política e na sociedade, isso acaba virando normal.

A professora da USP Maria do Socorro Braga concorda que há desinteresse da população:

- Infelizmente, tem um público grande que desconhece como se dá a tramitação (dos projetos). Então fica distante da realidade das pessoas - afirma.

O professor de Legislação e Ética da Faculdade de Comunicação da Universidade do Estado do Rio (Uerj) João Pedro Dias Vieira ressalta que os deputados não estão preocupados com a repercussão pública do caso.

- Os deputados não estão preocupados com a imagem porque boa parte dos eleitores não está preocupada em saber sobre esses projetos.

O cientista político Murilo Aragão, da empresa de consultoria Arko Advice, também diz que há desconhecimento da população sobre o funcionamento do Congresso. E acrescenta que sessões como a de anteontem na CCJ seriam corriqueiras:

- Enfim, isso é um descaso muito grande.

Ele classifica a sessão da CCJ de fantasma e diz que ela deveria ser anulada:

- Uma comissão que aprova 118 projetos em três minutos, sem quorum, tinha de ser anulada . (A CCJ) é a guardiã da constitucionalidade no organismo da representação popular.

Ricardo Ismael, professor de sociologia e política da PUC-RJ, também destaca a importância da Comissão e reprova o comportamento dos deputados.

- Uma situação como essa, em que se aprovam 118 projetos em três minutos, demonstra que foi a toque de caixa. Assusta a opinião pública e mostra o desleixo dos deputados.

Para Chester Martins, um dos organizadores do movimento Todos Juntos Contra a Corrupção, os deputados não se preocuparam em momento algum com o conteúdo das matérias:

- Como pode haver sessão com praticamente nenhum deputado? Na verdade, ninguém sabe o que está sendo aprovado.

O juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral - entidade idealizadora da campanha da Lei da Ficha Limpa -, lembrou a falta de transparência na CCJ:

- São situações em que há saídas regimentais, nas quais eles (deputados) não se responsabilizam pelos projetos aprovados. É grave. Estamos em um momento em que o Brasil cobra mais transparência e clareza.