Título: Entre os problemas, falta de concurso e autonomia
Autor: Duarte, Alessandra; Benevides, Carolina
Fonte: O Globo, 25/09/2011, O País, p. 5

Projeto de lei no Congresso prevê que condenados e indiciados judicialmente sejam obrigados a fornecer DNA

ILANA CASOY: "Estamos como os Estados Unidos estavam há 30 anos"

Uma diretriz do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) define que o Ministério da Justiça teria a responsabilidade de "propor regulamentação da perícia oficial". Mas os procedimentos para casos de homicídio que a Senasp começa a criar, em parceria com os estados, esbarram na independência federativa de cada estado. É por conta disso que o governo federal não tem como obrigar o estado a incluir ou retirar a perícia da estrutura administrativa da Polícia Civil. Especialistas defendem a autonomia da perícia.

Segundo a Senasp, 18 estados têm perícias autônomas. O Rio não é um deles. Em 2005, o então deputado estadual Alessandro Molon, hoje federal, aprovou uma emenda à constituição do estado para que a perícia se tornasse autônoma:

- A associação de delegados de polícia derrubou no Supremo - conta. - Se a perícia fosse separada, conseguiria definir prioridades, saberia no que investir.

Para Ilana Casoy, especialista em criminologia, a autonomia da perícia é determinante, porque "o perito nunca deve estar a serviço do que a polícia ou o promotor acha". Mas, além da falta de autonomia, o déficit de pessoal é outro motivo para falhas:

- Existe déficit porque há estados que passam anos sem fazer concurso. Além de contratação, o investimento tem de ser em cursos de formação também - diz Ilana, lembrando que a taxa de resolução de homicídios no Rio é de 3% a 4%; em São Paulo, de 10% a 12%. - Estamos como os EUA estavam há 30 anos.

- Em Sergipe, até um ano atrás, o estado nunca tinha feito concurso para perito - diz Guaracy Mingardi, pesquisador da FGV-SP e consultor do Ministério da Justiça. - Mas, mesmo que a perícia não tenha equipamento ou pessoal para apontar a autoria, poderia se empenhar mais em descrever a dinâmica, como o homicídio ocorreu.

Francisco Eustáquio Rabello, presidente da Adepol-MG e ex-corregedor de polícia, toca em outro ponto sobre a importância da perícia: o fato de que ela pode desvendar casos em que a única explicação é "bala perdida" ou "auto de resistência":

- Dizer que morreu por bala perdida é institucionalizar uma forma de matar. A perícia pode mostrar de onde a bala partiu.

Outro obstáculo para que a perícia produza provas é a rixa entre os peritos e os papiloscopistas (os que recolhem e analisam impressões digitais), pois estes não têm profissão regulamentada até hoje.

- No DF, 20% dos homicídios são resolvidos por perícia papiloscópica. Mostra a importância do reconhecimento do setor - diz Celso Zuza, presidente da Associação Brasileira dos Papiloscopistas Policiais Federais.

Para avançar na perícia por DNA, o Brasil recebeu há dois anos, por cooperação internacional com o FBI, o software Codis, de análise de DNA, conta o presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais, Helio Buchmuller. O programa, diz, foi instalado na sede da PF e nas polícias de 15 estados, entre eles Rio e São Paulo:

- O programa compara amostras coletadas em locais de crime com aquelas de criminosos. Nos países que já usam, funciona porque coletam amostras de condenados, às vezes de suspeitos. Aqui, temos só as amostras do local do crime, mas não temos com o que compará-las.

Justamente para que haja coleta de DNA de condenados, e também de indiciados judiciais, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou este mês o projeto de lei 93/2011, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que prevê que "os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa" e também por crimes hediondos, "serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético".

O projeto vai agora para a Câmara. Caso aprovado, promete polêmica, já que a legislação brasileira permite que a pessoa não seja obrigada a produzir prova contra si mesma.

- Então acaba com a impressão digital, porque DNA é tão identificação quanto ela - diz Nogueira. - O DNA não só condena, mas também inocenta.