Título: De falta de material para foto a locais de crime não preservados
Autor: Duarte, Alessandra; Benevides, Carolina
Fonte: O Globo, 25/09/2011, O País, p. 4

No Rio, inquéritos apontam falhas como perito não recolher celular da vítima

Em dezembro de 2000, o corpo do comerciante Miguel de Castro Luiz foi encontrado numa sala comercial trancada, num prédio em Madureira, no Rio, com perfurações de faca. Seu celular estava no bolso. E a perícia não o recolheu, mostra o inquérito policial 631/2000, no Tribunal de Justiça do Rio. Não só o celular, mas outros materiais na sala, como tíquetes-refeição que a vítima negociava, foram entregues ao irmão de Luiz - pelos próprios peritos. O perito, diz o inquérito, "encontrou (...) um bolo de tickets (...), os quais foram repassados ao irmão da vítima".

Só um mês depois, a polícia reconheceu que precisava ter apreendido o celular, que podia revelar as últimas ligações que a vítima fez ou recebeu: "Mesmo que tardiamente, sugerimos apreensão... para exame pericial". À polícia, a mulher identificada como namorada da vítima chegou a dizer que "lamenta ter sido o local do crime liberado".

O laudo da perícia do local não fala em coleta de impressões digitais: "uma pequena sala de um prédio comercial (...) composta de dois cômodos", limita-se a descrever. E admite: "deixa o perito de anexar fotos por falta de material". Foi pedido arquivamento pelo Ministério Público.

Outro inquérito no TJ do Rio, o 4862/2004, trata de um homicídio no qual o corpo da vítima, Edmundo de Freitas, foi encontrado dentro de um bar, no bairro do Encantado. Dessa vez, a perícia do local não incluiu nem a descrição do interior do bar, só da rua. Também houve pedido de arquivamento.

Já no inquérito sobre o assassinato de Lucio Pinheiro, em maio de 2004, no Estácio, o perito escreve que o local não estava preservado - "a polícia permitiu a presença de estranhos". O mesmo aconteceu quando Leonardo dos Santos foi assassinado em maio de 2003, em Cascadura. "Local não preservado tendo em vista a manipulação por pessoas estranhas à equipe de perícia". O local encontrava-se "acautelado" por um cabo do 9º BPM.

- O Brasil não tem tradição de preservar o local do crime. Mas o que faz a perícia ter sucesso é a preservação. Por isso, em São Paulo, os peritos vão começar a chegar paramentados com máscaras, toucas e até com os pés cobertos. Para que a população veja e comece a ajudar a manter os locais isolados - diz Celso Perioli, superintendente da polícia de SP e presidente do Conselho Nacional de Dirigentes Gerais de Órgãos Periciais.

- Não tenho dúvida de que a impunidade no Rio se dá pela falência da perícia - diz o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ). - A investigação praticamente inexiste, só se prende em flagrante.