Título: Mantega promete perseguir servidor
Autor: Pires, Luciano; Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 27/08/2009, Economia, p. 16

Ministro avisa que a Receita Federal terá blindagem especial para evitar vazamento de dossiês que possam comprometer o governo.

É uma balela dizer que não estamos fiscalizando os grandes contribuintes¿ Guido Mantega, ministro da Fazenda

O acirramento dos ânimos dentro da Receita Federal em meio à substituição de pessoas que ocupam postos estratégicos levou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a ameaçar de punição os servidores que vazarem informações sigilosas. Referindo-se aos técnicos que estão deixando os cargos, Mantega avisou que quem repassar dados secretos de terceiros ou facilitar o acesso a arquivos do Fisco será punido com o rigor da lei. A fabricação de dossiês com objetivos políticos para minar os novos gestores do Fisco, conforme mostrou ontem o Correio, preocupa o governo.

A Corregedoria da Receita já foi acionada e tem carta branca para abrir processos administrativos contra qualquer suspeito. A área de inteligência também está em alerta. Mantega determinou aos investigadores atenção total a qualquer movimento de retaliação e disse que todos serão responsabilizados de maneira rigorosa por atos considerados ilegais. ¿Se houver vazamento de informações sigilosas, serão responsabilizados. É crime. Terá consequências severas¿, afirmou o ministro.

Em um dia marcado por uma nova onda de pedidos de exoneração, Mantega tentou demonstrar tranquilidade e minimizou a crise que atinge a Receita, um órgão estratégico e extremamente técnico, desde a demissão de Lina Maria Vieira de seu comando. ¿É uma balela dizer que não estamos fiscalizando os grandes contribuintes¿, disse. Segundo o ministro, trata-se de ¿desculpa para encobrir ineficiência (desses funcionários)¿, completou Mantega. Entre os servidores, a visão é de que uma maior complacência com as grandes empresas estaria ligada a interesses políticos em 2010.

Fora de controle

O êxodo na Receita fugiu ao controle. Com a saída em massa de funcionários ligados à antiga cúpula, setores do Fisco em praças como São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e Rio Grande do Norte estão descobertos. Antes da renovação imposta pelo governo, a estimativa era de que as baixas ficassem entre 50 e 60 pessoas. Agora, com a explosão do número de pedidos voluntários de dispensa, o órgão poderá ter de nomear até 200 funcionários para cargos de confiança ou chefia. Apesar disso, Mantega disse que o órgão está funcionando ¿normalmente¿.

A manutenção da normalidade dentro do Fisco, no entanto, depende do secretário Otacílio Cartaxo. Na avaliação dos técnicos da Receita, se as indicações dos novos ocupantes para os cargos vagos for rápida, a rotina do órgão não será afetada. Caso contrário, se as peças não forem substituídas rapidamente, áreas como a fiscalização e a arrecadação serão impactadas. Antes do estouro da crise, as receitas estavam em queda. Nos sete primeiros meses do ano, encolheram R$ 30,6 bilhões ante o mesmo período do ano passado. ¿Entre o desligamento e a reposição, as coisas vão funcionar de forma precária¿, explicou um servidor do Fisco. Segundo ele, ¿o pessoal vai ter de segurar o tranco¿ até onde for possível para manter a guarda e impedir, por exemplo, o avanço da sonegação, que já vem afetando a área previdenciária.

A Receita é um dos órgãos da administração pública federal mais acostumados a processos e sistemas. Boa parte da rotina está ligada a procedimentos específicos, a ordens eletrônicas e a padronizações, mas sem as pessoas certas nos lugares e nas horas adequadas, há riscos de represamento. ¿O contribuinte não sente isso, não vê. Mas é algo com que a nova administração deve se preocupar¿, completou o técnico.

Novo organograma

Ontem, o Diário Oficial da União publicou a exoneração de mais dois funcionários. Henrique Jorge Freitas deixou a subsecretaria de fiscalização do órgão e Odilon Neves Júnior, que até então ocupava o cargo de subsecretário de gestão corporativa, também foi embora. No intrincado movimento de recolocar as peças-chave dentro do complexo organograma, Cartaxo tem feito consultas periódicas e até submetido alguns nomes ao conhecimento do ministro Guido Mantega e do secretário-executivo da Fazenda, Nelson Machado, que se recolheu depois de ser apontado, no Palácio do Planalto, como o ¿pai da crise¿, por ter bancado a nomeação de Lina Vieira para a chefia do Leão (leia matéria na página 18).

Na segunda-feira, 12 auditores do alto escalão da Receita escreveram um manifesto e colocaram os cargos à disposição, mas nem todos saíram. Em carta enviada a Cartaxo, os servidores cobraram a manutenção de políticas iniciadas na gestão de Lina, pediram ainda rigor na fiscalização com foco nos grandes contribuintes e alertaram o novo titular para a importância em se preservar a autonomia institucional do órgão, livrando a Receita de ingerências políticas. ¿Tomara que essa crise se resolva rapidamente. Sabemos que ela custará caro ao governo¿, disse um assessor do presidente Lula.

O número Fuga 200 Total de técnicos que podem deixar o Fisco

O soldado do governo Elza Fiúza/ABr - 29/7/09

O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, foi escalado pelo Palácio do Planalto como um dos principais soldados na frente de batalha para esvaziar críticas e enaltecer o governo. Na avidez por cumprir à risca sua missão, ele escalou ontem dois técnicos do instituto para mostrar que a queda da arrecadação de impostos no primeiro semestre deste ano, de R$ 26,5 bilhões, um dos motivos que teria levado à demissão de Lina Maria Vieira do comando da Receita Federal, não está associada à incompetência. Mas, sim, à crise mundial e à redução de tributos incidentes sobre setores considerados estratégicos para a economia, como o automobilístico, o de materiais de construção e o de eletrodomésticos. Essa postura de soldado de Pochmann, por sinal, provocou um grande esvaziamento do Ipea, considerado, até a sua posse, um dos principais centros de excelência do país.

Debandada em Minas

Thiago Herdy

Belo Horizonte ¿ O novo superintendente da Receita Federal em Minas Gerais, Humberto Lemos de Avellar, tentou ontem reverter a saída de auditores mineiros que colocaram os cargos à disposição depois da confirmação da exoneração do antigo superintendente Eugênio Celso Gonçalves, na terça-feira. Em reuniões com a superintendente adjunta, Clara Grymberg, e a delegada da Receita em BH, Regina Célia Batista Cordeiro, Avellar argumentou que a independência para atuação dos auditores seria mantida em sua gestão. Além das duas, pelo menos outros três auditores que ocupavam cargos de confiança colocaram oficialmente o posto à disposição em Minas. O número só não é maior porque os ocupantes de outros cargos aguardam os desdobramentos da crise na instituição para oficializarem uma decisão.

Auditores lembram que quando ocorrem mudanças na chefia de órgãos públicos, é praxe os servidores em cargos de confiança colocarem os postos à disposição, para deixar o novo chefe à vontade durante a formação de sua equipe. No entanto, o pedido de exoneração coletiva ganhou outro tom depois que 12 integrantes da cúpula da Receita Federal divulgaram carta reagindo à ruptura no projeto implantado pela ex-secretária Lina Vieira e sua equipe, que priorizava a fiscalização sobre grandes contribuintes.

Ontem, o secretário-geral do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco) em Minas, Francisco Lira, confirmou a preocupação dos servidores com as mudanças no órgão. ¿A gente vinha em um processo de mudança, com mais ênfase na qualidade da fiscalização sobre as empresas maiores, focado na melhoria do atendimento e no bom relacionamento com os servidores da casa. O Otacílio Cartaxo (novo secretário) é um auditor competente, que exerceu diversos cargos. Mas nossa preocupação reside na saída da pessoa que introduziu a nova linha de atuação da Receita¿, disse Lira.

Ele disse não saber por que Lina foi exonerada do cargo, mas acredita que o fato pode ter relação com as pressões do setor bancário. ¿Na gestão dela, houve um aumento considerável da mão de obra na delegacia de assuntos financeiros, em São Paulo. O número de funcionários de fiscalização triplicou.¿

¿Houve um tempo em que a fiscalização da Receita era fraca, só se mexia nas alíquotas. Foi na gestão da Lina que os grandes grupos passaram a ser acompanhados de perto¿, analisou o auditor Ewerardo Lopes Tabatinga. Atualmente aposentado, ele trabalhou 36 anos na Receita, 19 deles como um dos chefes de fiscalização.