Título: Pressão contra o controle externo
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 18/08/2009, Política, p. 2

TCU faz lobby a fim de garantir mais vagas no conselho a ser criado para fiscalizar os tribunais de contas do país. Insatisfeitos com a atuação da corte, sobretudo com a paralisação de obras, parlamentares resistem à ofensiva

Em seu substitutivo, Delgado rechaçou a tentativa de deputados de limitar a atuação dos tribunais de contas do país

Disputa por poder, tentativa de políticos de exercerem algum tipo de influência nos órgãos fiscalizadores e resistência desses mesmos órgãos em serem controlados. A soma dos interesses dos mais variados lados dão o tom do enredo que reflete a dificuldade da Câmara dos Deputados de aprovar a criação do Conselho dos Tribunais de Contas, cuja função primordial será fiscalizar e julgar os atos e a conduta dos tribunais de contas do país. Os capítulos com as divergências começam a tomar forma esta semana, quando um acordo entre os integrantes da comissão especial instalada para analisar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 28/2007 resultará em um pedido de vista do texto e reiniciará as negociações em torno do tema.

O principal foco das controvérsias é o número de integrantes do conselho a ser criado. Os membros do Tribunal de Contas da União (TCU) não estão satisfeitos com a única vaga destinada à corte pelo substitutivo apresentado pelo relator Júlio Delgado (PSB-MG). De acordo com o texto apresentado pelo deputado, serão criados 11 cargos para serem distribuídos entre técnicos e auditores de estados e municípios, além de dois representantes do Congresso Nacional. Os integrantes do TCU, no entanto, fazem um lobby intenso para que as vagas sejam reduzidas para nove, e a corte ocupe pelo menos três delas.

Para brigar por mais espaço no conselho, os ministros do TCU têm um fiel escudeiro na comissão especial. Caberá ao deputado Humberto Souto (PPS-MG), que já presidiu o tribunal, pedir vista do projeto e negociar com os colegas parlamentares o pleito dos ministros. ¿Acho que o pedido deles é justo e faz muito sentido. Se caberá ao TCU a maior responsabilidade no conselho, já que eles vão escolher os outros integrantes em listas tríplices, deve caber a eles também o maior número de vagas. É uma coisa lógica que quero conversar com os outros deputados¿, disse.

Sem fiscalização

O lobby dos ministros do TCU tem sido interpretado por integrantes da comissão especial como uma tentativa da corte de exercer maior controle no órgão que terá a função de fiscalizá-la. Os deputados alegam que se o tribunal tiver a maioria dos membros, como pretendem os ministros, será mais fácil ignorar reclamações ou denúncias sobre possíveis irregularidades praticadas pelo TCU. A ideia de aumentar a autonomia do TCU não agrada à maioria dos parlamentares. Nos bastidores, alguns deles articulam justamente o contrário. Querem o aumento de vagas para integrantes dos tribunais de contas dos estados e dos municípios, já que nesses órgãos o acesso deles e a propensão a influências políticas são maiores.

Diante da guerra de interesses (1)pessoais e institucionais, a comissão especial não deve votar o relatório de Júlio Delgado nos próximos meses. ¿É polêmico mesmo, e estamos preparados para a morosidade dessa votação. Corri com o relatório, mas confesso que há muitas divergências. Avisei aos colegas que eles podem fazer suas propostas e prometi que discutiremos todas elas. Difícil será encontrar o consenso¿, comentou o relator. A reunião da comissão especial está marcada para amanhã. Mas, se houver quorum, deve servir apenas para que Humberto Souto oficialize seu pedido de vista, que conta com aval dos colegas. Todos dispostos a negociar.

1 - Queda de braço O último mal-estar entre TCU e Congresso ocorreu no início do mês, quando o tribunal apontou falhas nas metas do programa Minha Casa, Minha Vida, cujo objetivo é construir 1 milhão moradias populares. A corte recomendou ao Ministério das Cidades que reformule as bases do projeto. Sugeriu que a prioridade seja beneficiar a população com renda mensal de até três salários mínimos, em vez de privilegiar os brasileiros que ganham entre três e 10 salários, como prevê o texto aprovado no Congresso. A orientação foi recebida com críticas pelo Legislativo. Os parlamentares interpretaram o relatório do TCU como uma tentativa indevida de legislar e não pouparam críticas à corte.

Os números da controvérsia

O conselho, da forma como prevê o substitutivo do deputado Júlio Delgado, será composto por:

Um ministro do TCU

Um representante do Ministério Público especial com assento no TCU

Um representante dos auditores do TCU

Um representante dos conselheiros dos Tribunais de Contas dos Municípios

Um representante dos auditores nos Tribunais de Contas dos Municípios

Um representante do Ministério Público com assento no Tribunal de Contas dos Municípios

Um representante dos conselheiros dos Tribunais de Contas dos estados e do DF

Um representante do Ministério Público com assento nos Tribunais de Contas dos estados e do DF

Um representante dos auditores dos Tribunais de Contas dos Estados e do DF

Dois representantes do Congresso Nacional

Para saber mais Falhas na legislação

A proposta de Emenda Constitucional (PEC) 28 de 2007 foi apresentada pelo deputado paraibano Vital do Rego (PMDB). O texto propõe a criação do Conselho dos Tribunais de Contas para fiscalizar a atuação desses órgãos em todo país. De acordo com o parlamentar, há um vácuo na legislação que trata do controle das cortes de contas, visto que a atuação delas não é analisada e não há uma instituição que possa julgar rapidamente possíveis desvios de conduta de seus integrantes.

Apesar de ter sido recebida com elogios, já que há uma insatisfação geral no Parlamento com a atuação e as constantes paralisações de obras realizadas pelo TCU, a matéria posteriormente foi angariando divergências, já que envolve interesses dos mais diversos. A depender da composição do conselho, os deputados acreditam que terão mais ou menos acesso ao novo órgão e poderão ter suas reclamações recepcionadas ou não.

Em meio às controvérsias, o relator Júlio Delgado elaborou substitutivo modificando diversos itens do texto original. Entre as mudanças, reduziu de 14 para 11 o número de integrantes do conselho e retirou as vagas exclusivas que estavam destinadas a integrantes do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Também negou todas as tentativas dos colegas de incluírem contrabandos para limitar a atuação dos tribunais, como mandato de dois anos, em vez do atual cargo vitalício, e submissão dos conselheiros a concurso público. (IT)