Título: Crise mundial testa mais uma vez o Brasil
Autor:
Fonte: O Globo, 23/09/2011, Opinião, p. 6

Fora do país, no púlpito da ONU, na condição de primeira mulher a abrir uma assembleia geral da instituição, a presidente Dilma fugiu do otimismo militante com que autoridades costumam comentar crises econômicas quando se pronunciam em território nacional e reconheceu que a resistência do Brasil às turbulências mundiais tem limites.

Revoga-se a ideia ingênua, só para efeito político interno, de que, a qualquer maior tensão externa, basta estimular o consumo da população que a economia brasileira voltará ao berço esplêndido. Falso, como já ficara evidente no final de 2008, quando o sistema de crédito mundial parou por pouco tempo de bombear recursos para o sistema produtivo, devido à propagação de ondas de choque liberadas pela falência do Lehman Brothers, num erro de avaliação do ainda governo Bush. Fizeram mal em testar a regra de que banco, mais ainda os de grande porte, não pode quebrar, pois trinca o pilar da confiança sobre o qual se assenta o sistema financeiro, com repercussões devastadoras. (Já o destino do banqueiro é outra história.) Pois, naquele momento, a economia brasileira, como muitas outras, caiu feito pedra. Devido àquele tranco, em meados de setembro, o PIB de todo o ano retrocedeu 0,2%, embora o presidente Lula, mestre em usar o verbo para escamotear a realidade, tenha considerado tudo uma "marolinha". O governo agiu certo ao acionar estímulos para a produção, mas escolheu o caminho mais fácil, e errado: os gastos em custeio e, por isso, em grande medida, produziu o choque de inflação que hoje afeta a gestão Dilma. Não foi marolinha em 2008/2009 nem será agora, caso a situação se agrave, porque a interconexão econômica mundial é grande. O nervosismo nos mercados nos últimos dias é ilustrativo. Na quarta, o Fed, banco central dos EUA, anunciou mais uma operação bilionária na tentativa de ativar a economia americana: US$400 bilhões serão vendidos em títulos públicos de curto prazo para financiar a aquisição de papéis de vencimento bem mais à frente, a fim de reduzir os juros no mercado - a Selic deles já é praticamente zero -, e com isso ajudar endividados em hipotecas (poderão renegociá-las a custo mais baixo) e necessitados em geral de empréstimos bancários. Não só a medida foi considerada tímida, como também causou susto a alegação sombria do Fed sobre o estado anêmico da economia americana. As bolsas começaram a desabar no planeta e, no Brasil, ganhou força a desvalorização do real. O tão desejado salto do dólar passou a preocupar. Depois de o câmbio escalar patamares numa velocidade recorde no mundo, o BC, enfim, agiu, vendeu dólares ontem, e o dólar fechou a R$1,90 (mais de 18% de alta desde o dia primeiro, uma máxi).

O Brasil já se encontra sob ataque da crise de confiança que se agrava no mundo. A presidente tem razão em alertar para as limitações do país: o dólar em alta é bom para as exportações, porém encarece as importações e, assim, eleva a temperatura na fornalha da inflação, num momento em que ela se mostra mais forte, e quando o BC faz a arriscada aposta de cortar juros. Cresce ainda mais de importância, então, o dever de casa na área fiscal, a ser feito de maneira mais dura e disciplinada do que costuma pensar a Fazenda. Nas conversas que manteve em Nova York, Dilma, economista de formação, deve ter entendido a gravidade do momento, com o mundo no limiar de mais uma recessão.