Título: Nova safra de atos secretos
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 18/08/2009, Política, p. 5

Correio identifica 105 ordens administrativas não citadas nas publicações de 1997 do Senado. Na época, o diretor-geral era Agaciel Maia. Os documentos tratam de movimentação de servidores, concessão de gratificações e aviso de licitações

Primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes diz que não ficaria surpreso com novos atos secretos

Não há dimensão para a crise dos atos secretos no Senado. Os boletins administrativos de pessoal de 1997 dão indícios de que há mais decisões escondidas do que as cerca de 1.100 já reveladas. O Correio detectou a falta de pelo menos 105 atos administrativos do então diretor-geral Agaciel Maia naquele ano. Essa é a conclusão de uma pesquisa nas 1.594 publicações de 1997.

Na edição de 14 de maio, por exemplo, o ato do diretor-geral 1.323 não existe. A publicação pula do 1.322 direto para o 1.324. Entre as edições de 26 e 27 de agosto, 96 atos simplesmente desaparecem. Os demais estão perdidos dentro dos mesmos boletins.

O fato reforça uma tese levantada pelo primeiro-secretário do Senado, Heráclito Fortes (DEM-PI). Ele disse que não ficaria surpreso se novos atos secretos aparecessem depois da revelação das 468 decisões tomadas entre 1998 e 1999. Esse número se soma aos já conhecidos 663 boletins reservados, dos quais 119 acabaram validados pelo presidente do Senado, José Sarney.

Diferentemente dos outros anos, em 1997 não há boletim suplementar. Os atos secretos foram descobertos justamente com a enxurrada de publicações complementares que começaram a aparecer no sistema do Senado a partir deste ano. Esses atos tratam de movimentação de servidores, concessão de gratificações e aviso de licitações. Os boletins são apenas para uso interno da Casa. É bem possível que todas ou parte dessas 105 decisões comecem a pipocar em edições adicionais e retroativas.

O Correio já detectou que a estratégia dos atos secretos era referendada no Diário Oficial, que de uma edição para outra escondeu 396 decisões. Além disso, revelou que o Senado se valeu de decisões administrativas extraoficiais entre 1997 e 1998. Foram encontrados 449 atos publicados nos boletins que não constam do Diário Oficial. O Ministério Público Federal não reconhece a validade deles por entender que todo ato da administração pública tem de estar no Diário Oficial do Senado.

Sem rede

Essas medidas extraoficiais eram, na prática, secretas. No fim da década passada, o Senado não se valia da rede interna de computadores para divulgá-los. As decisões eram publicadas na ocasião por meio de boletins impressos na gráfica, com tiragem de 650 exemplares. Somente em 2001 o Sistema de Processamento de Dados do Senado (Prodasen) passou a publicar em sua rede interna os boletins.

Heráclito Fortes determinou a abertura de investigação para identificar os responsáveis pela inclusão da nova leva de 468 atos secretos no sistema do Senado. O senador atribuiu o ato como ¿molecagem¿. O responsável pela inclusão é o chefe do Serviço de Publicação de Boletim Pessoal, Franklin Paes Landim. Ele admitiu ter inserido na rede interna os novos atos secretos a pedido de Ralph Siqueira, ex-diretor de Recursos Humanos. Ralph trabalhou na equipe responsável por identificar a primeira leva das decisões sigilosas e deixou o cargo em junho. Franklin e Ralph são do grupo de servidores próximos a Agaciel.

O número 1.200 Estimativa do total de atos administrativos não publicados pelo Senado identificados desde o início da crise

Entenda o caso Nenhuma punição

O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), tem feito um esforço para dar caráter legal aos atos secretos. Dos 663 descobertos na primeira leva, 119 foram revalidados nas últimas semanas. Sarney manteve, por exemplo, gratificações incorporadas aos salários de servidores de carreira. Os funcionários que foram nomeados por boletins reservados estão livres de demissão sumária.

Até agora, ninguém perdeu o cargo ou foi punido. O caso já começou a ser tratado como uma questão menor por integrantes da Mesa Diretora do Senado. O terceiro-secretário, Mão Santa (PMDB-PI), limitou-se a dizer, na semana passada, que o fato é mera irregularidade administrativa. Ele ainda criticou o colega Heráclito Fortes (DEM-PI) por não ter descoberto todos os atos secretos. ¿Tinha que ser uma apuração definitiva. Não dá para ter tantos atos de uma vez e tantos outros agora¿, afirmou.

Os atos secretos são justamente o maior entrave para o presidente do Senado. Pessoas conhecidas do senador José Sarney foram nomeadas em boletins reservados. Os partidos adversários do peemedebista tentam abrir pelo menos essa investigação no Conselho de Ética, mas esbarram nas articulações governistas e do PMDB. Dentro do PT, o líder Aloizio Mercadante (SP) defende a abertura de investigação, mas esbarra na vontade do presidente Lula, refletida em parte da bancada. Poucos apostam que Sarney será alvo de sindicância do Conselho de Ética.