Título: Procuradoria vai à Justiça para FNDE apurar indícios de irregularidades
Autor: Maltchik, Roberto; Fabrini, Fábio
Fonte: O Globo, 04/10/2011, O País, p. 4

Auditoria mostrou que, em 2008, verba da merenda foi desviada em Paulistânia

BRASÍLIA. O Ministério Público Federal em São Paulo foi obrigado a pedir socorro à Justiça para forçar o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) a cumprir o seu papel: apurar graves indícios de desvio de dinheiro da merenda escolar. Uma auditoria do órgão em Paulistânia (SP), pequena cidade próxima a Bauru (SP), só ocorreu após liminar concedida em março deste ano pela juíza Maria Catarina Martins Fazzio, da 3ª Vara Federal. Ela interveio depois de dez meses de requerimentos frustrados em que o MPF pedia investigação do caso e informações sobre a prestação de contas da prefeitura.

As irregularidades apontadas pelo MPF foram confirmadas pelo FNDE, após atender a determinação judicial de verificá-las in loco. Os problemas ocorreram em 2008. Mesmo assim, as contas do município naquele ano constam como aprovadas no site do órgão.

Farinha de mandioca para a merenda 484% mais cara

Ontem, o GLOBO revelou que a autarquia, ligada ao Ministério da Educação (MEC), avaliza contas de prefeituras rejeitadas pelo próprio governo, em auditorias da Controladoria Geral da União (CGU). Somente no estado do Rio, a CGU apontou impropriedades em 35 municípios, entre 2003 e 2009, dos quais 34 tiveram as contas aprovadas ou até hoje aguardam análise.

Segundo o procurador Pedro Antônio de Oliveira Machado, autor da ação de improbidade contra o prefeito de Paulistânia, Hélio Ferreira do Nascimento, além de outras cinco pessoas, a farinha de mandioca para a merenda chegou a custar 484% mais cara que o preço de mercado. No caso do extrato de tomate, o superfaturamento alcançou 242%. Antes da decisão judicial, ao menos quatro ofícios chegaram ao FNDE, sem que houvesse providências.

"Ante tal quadro é de se lamentar que seja necessária a propositura de uma ação civil pública, com a consequente movimentação de todo o poder Judiciário, para exigir que uma autarquia federal, mais especificamente seus dirigentes, cumpram com o seu dever de fiscalizar, de forma adequada, e a tempo e modo, a aplicação de verba pública federal, cujo repasse é de sua responsabilidade. Natural seria a atuação conjunta do FNDE e do Ministério Público Federal no eficiente e indeclinável combate à improbidade administrativa, contudo, infelizmente não foi o que ocorreu", escreveu o procurador na ação.

Conselhos funcionam sem estrutura

Na liminar, a juíza salienta que os pedidos de auditoria foram feitos por dois anos, sem resposta positiva. O mesmo desvio de recursos da merenda, de acordo com o MPF, teria ocorrido em 2002, sem que o FNDE adotasse providências para saná-lo.

O órgão informou nos autos que uma vistoria estava agendada para ocorrer na cidade em maio de 2011. Porém, como descumprira promessas anteriores, ela considerou a ordem judicial pertinente.

"De fato, como salientado pelo MPF, não há garantia de que a auditoria agendada para maio deste ano realmente aconteça, considerando-se que o MPF tem noticiado possíveis irregularidades e requisitando apuração desde, ao menos, o ano de 2009, bem como que tal auditoria já havia sido programada para 2010 e teve que ser adiada", afirma a juíza em sua decisão.

Ao GLOBO, o procurador Pedro Machado disse que o FNDE apenas ratifica pareceres dos conselhos de alimentação escolar (CAEs), responsáveis pelo controle social das verbas da educação, em vez de analisá-los de fato. As auditorias da CGU demonstram reiteradamente que tais grupos são cooptados pelos prefeitos e, não raro, sequer funcionam adequadamente.

- Lá, em Paulistânia, é exatamente isso que ocorre. Averiguamos que o conselho sequer tem sede e equipamentos mínimos para atuar. Como que um relatório de um conselho totalmente sem estrutura pode validar as contas de um município? - questiona o procurador.

FNDE não responde quantos trabalham na fiscalização

Procurado, o FNDE não se pronunciou sobre o caso ontem. A assessoria de imprensa não respondeu aos telefonemas e ao e-mail enviado pelo GLOBO. Desde sexta-feira, a reportagem questiona o órgão, sem sucesso, sobre quantas pessoas atuam no trabalho de fiscalização de irregularidades.