Título: Invasão vira balcão de negócios
Autor: Sorima Neto, João
Fonte: O Globo, 02/10/2011, O País, p. 3

No Nova Vida, madeireiros lucram com mercado ilegal

BELÉM. Na zona rural do município de Ulianópolis, a 400 quilômetros de Belém, o assentamento Nova Vida, fruto da invasão da fazenda Nova Jerusalém, virou um paiol de pólvora a céu aberto na Amazônia. Desde que foi invadida, em novembro de 2008, a área passou a ser explorada por madeireiros que chegaram de vários estados do país. Os invasores derrubaram a floresta, fizeram queimadas e extraíram madeira, tornando o assentamento um balcão de negócios.

Potiguar da cidade de Mossoró, Noé Alves Brilhante, 62 anos, tem lote na área e conta que, após a invasão, a fazenda foi transformada em uma região de especulação comercial, uma vez que os primeiros ocupantes venderam seus lotes para terceiros, sendo a maioria madeireiros e funcionários públicos estaduais e municipais.

- Se tiver quatro agricultores aqui é muito - diz.

O agricultor diz que os lotes mais baratos, onde existe apenas capim, são vendidos por valores que oscilam entre R$1 mil e R$5 mil. Os que possuem madeira são os mais caros e chegam a custar até R$18 mil.

- Ninguém planta nada. E os caminhões de madeira não param de transitar - relata Noé, lembrando que participou da ocupação, em 2008, porque precisava de terra para plantar melancia e mandioca. - Além de vender madeira, não deixam a gente cultivar a terra.

O agricultor ressalta que os madeireiros ameaçam aqueles que ousam alardear a situação.

Em janeiro, a polícia denunciou envolvidos no esquema de compra e venda de lotes do assentamento Nova Vida. Entre eles, estão o representante dos assentados, Elizemar Vasconcelos, e a mulher dele, a professora Glicera Soares, servidora da Secretaria estadual de Educação, que dirige uma escola de Ulianópolis. Procurado pelo GLOBO, o casal não quis se manifestar.

Dois processos que tratam da questão estão em tramitação na comarca local e na Vara Agrária de Marabá. Recentemente, uma operação sob comando da polícia resultou na apreensão de 32 metros cúbicos de madeira e de quatro caminhões para transporte clandestino de madeira. No Nova Vida, três madeireiros foram indiciados por transporte irregular de madeira, e um outro, por crime ambiental. Com eles, foram apreendidos dois caminhões sem placa e uma motoserra.

A juíza Claudia Moura, titular da Vara Agrária de Marabá, já concedeu a reintegração de posse da área:

- O prazo para saírem pacificamente expirou. Vou solicitar força policial - disse ela.

O prefeito de Ulianópolis, Jonas Santos, afirmou que Glicera é remunerada pelo estado e está emprestada para o município. Segundo ele, a servidora tem dois filhos lotados na prefeitura. A Secretaria de Educação do Estado do Pará não se manifestou sobre o assunto.

Em Ulianópolis, Glicera, que já foi coordenadora do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e conselheira tutelar, responde a dois processos penais. Para os pecuaristas da região, a funcionária não se enquadra no perfil de pessoa carente, pois tem casa própria e recebe proventos do governo.

Segundo informações obtidas pelo GLOBO, todos os dias, mais de 60 caminhões madeireiros entram no Nova Vida e saem carregados de madeira, vendida em inúmeras serrarias da cidade.

* Especial para O GLOBO