Título: A culpa é do governo. Ele afrouxou qualquer controle
Autor: Duarte, Alessandra
Fonte: O Globo, 05/10/2011, O País, p. 9

Procurador da República detalha fraudes investigadas em Santa Catarina e critica falta de fiscalização do seguro-defeso

Procurador da República atualmente no Rio Grande do Sul, Celso Três já atuou no Ministério Público Federal em Santa Catarina e, de 2007 até 2010, investigou mais de 300 pessoas devido a denúncias de fraude no pagamento do seguro-defeso. Para o procurador, o principal problema é mesmo a falta de acompanhamento eficaz do benefício por parte do governo.

O que foi investigado em Santa Catarina?

CELSO TRÊS: Processamos mais de 300 pessoas no sul do estado, gente que se dizia pescador mas não trabalhava no setor, e às vezes até que morava em outra cidade, ou mesmo em outro estado, como São Paulo. Havia situações hilárias, como a pessoa ser empregada e pedir ao empregador para não assinar carteira, porque aí poderia ter direito ao benefício também.

Havia problemas também nas colônias de pesca?

TRÊS: Na época, quando se exigia a declaração de alguma colônia (para que o pescador recebesse o benefício), chegou a ser criado um mercado de declarações, disputado entre colônias, sindicatos e associações. A pessoa pagava uma anuidade, R$100, por exemplo, e tinha direito a essa declaração, mesmo não trabalhando no setor. E, também, para a entidade não interessa checar isso. Não interessa checar, por exemplo, a documentação que a pessoa apresenta de notas fiscais de venda de pescado, um dos documentos exigidos para o registro como pescador; interessa é que a pessoa pague a anuidade à entidade. Podemos dizer que, apenas no sul de Santa Catarina, ali de Garopaba até Tubarão, de cerca de sete mil pessoas que estavam cadastradas para o benefício, estima-se que metade disso não era pescador na realidade. Sabemos de problemas semelhantes em outros estados. No Nordeste, já soube de beneficiários em locais onde nem havia pesca.

Onde está o maior problema que levou a esse quadro?

TRÊS: A culpa principal é mesmo do governo federal. Ele afrouxou qualquer controle. O único controle que é realizado atualmente, na prática, é ver se a pessoa que pede o benefício tem carteira assinada, se está registrada como celetista, por exemplo, no Ministério do Trabalho.

Como aperfeiçoar os requisitos pedidos para emissão do RGP e do seguro?

TRÊS: É pedida essa documentação, mas na prática não é fiscalizada se ela é válida ou se corresponde à realidade. Não há fiscalização da documentação de venda de pesca, ou da espécie que o pescador pesca, para saber se essa espécie está entre aquelas protegidas no período de defeso. Deveria haver, por exemplo, atuação de fiscais do Ministério do Trabalho para checar isso. A questão é que não existe outro trabalhador que tenha direito a um seguro-desemprego por quatro meses, todo ano. No caso do trabalhador que recebe isso, há essa situação, que mais tarde acaba estourando nas contas do INSS.