Título: O golpe da formação de mão de obra
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Fonte: O Globo, 05/10/2011, Opinião, p. 6

Em quase dez meses de gestão Dilma Rousseff, haja "faxina ética" ou uma política de combate a "malfeitos", a sequência de casos de corrupção revela algum ecletismo nas técnicas de desvio do dinheiro do contribuinte para bolsos privados.

O escândalo que fechou um balcão de negociatas montado, com o beneplácito do lulopetismo, no Ministério dos Transportes pelo PR pode ser considerado um golpe "à moda antiga". Nele, o funcionário, em comum acordo com o prestador de serviços ao Estado, inflaria os preços para gerar um dinheiro adicional a ser depois transferido para o caixa dois partidário ou cofres particulares, como se supõe.

O superfaturamento nas compras governamentais parece ser parte inseparável da vida pública nacional. A relação promíscua entre autoridade e empresário privado também ficou esboçada na queda de Wagner Rossi do Ministério da Agricultura.

Neste início de governo ficou evidente que ONGs e entidades similares se firmam como eficiente gazua para arrombar cofres públicos. Durante muito tempo protegidas pela imagem de instrumento sem fins lucrativos, voltadas aos pobres, as organizações não governamentais foram, em algum momento, descobertas pela corrupção na política. Alguns desses políticos têm a sua própria. Quando não as possuem, há alguma ONG por perto para receber emendas parlamentares.

A fórmula foi aplicada pela deputada Fátima Pelaes, do PMDB do Amapá, para transferir dinheiro do Tesouro a uma ONG de Macapá, supostamente com o objetivo de formar mão de obra na área de Turismo. Era a emenda parlamentar a serviço da qualificação do brasileiro, tudo muito edificante. A PF já vigiava o esquema, vários do ministério foram presos e caiu o ministro Pedro Novais, do PMDB maranhense, embora indicado por José Sarney.

O escândalo no Turismo também chamou a atenção para este novo golpe na praça: o da formação de trabalhadores. Atenta, criativa, a indústria da corrupção aproveitará ao máximo a realização de grandes eventos esportivos no país e o consequente aumento da demanda por profissionais de média qualificação. A investida por meio do Ministério do Turismo foi um alerta.

Outro caso emblemático é o do ProJovem, programa federal voltado a qualificar pessoas desempregadas e fora da escola. Gastaram-se R$3 bilhões em seis anos com resultados irrisórios. Um destaque nas distorções e desvios é o ProJovem Trabalhador, administrado pelo Ministério do Trabalho, onde o ministro, efetivo presidente do PDT, Carlos Lupi, atua para beneficiar sua corrente sindical (Força Sindical). Não faltam, também, ONGs e organizações equivalentes para receber milhões de reais, sem que haja controle efetivo das despesas, segundo o Ministério Público.

Constatado o fracasso do ProJovem Urbano, o maior deles, a Secretaria Geral da Presidência será substituída pelo Ministério da Educação na condução do programa. Mas o MEC, por sua vez, mantém repasses para a merenda escolar e transporte de alunos em municípios acusados de desviar essas verbas. Não há esperanças, portanto.

Ao menos, o festival de casos de desvio de dinheiro público tem sido pedagógico.