Título: Guia admite fraude e pagamento de propina
Autor: Duarte, Alessandra
Fonte: O Globo, 05/10/2011, O País, p. 3

Morador de Jurujuba, ex-pescador paga R$150 a donos de barcos para ter direito a benefício

Do terraço de casa, Antônio Carlos Lima de Mello, de 51 anos, tem vista para os barcos ancorados na colônia de pescadores de Jurujuba, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio. A residência, uma herança de família, está localizada em uma comunidade carente do bairro. Foi graças ao dinheiro do Bolsa Pesca que ele conseguiu fazer a tão sonhada reforma no imóvel. Para ter direito ao benefício, no entanto, Mello não precisou contar qualquer história de pescador. Ele lançou mão de uma fraude para embolsar R$545 mensais durante quatro meses por ano, período conhecido como defeso.

O esquema de irregularidade é simples: em 2009, Mello se inscreveu como pescador artesanal na embarcação "Estrela do Horizonte", segundo ele, de propriedade dos irmãos Eduardo e Leonardo Cunha. Os dois fazem parte do reduzido grupo que tem licença de pesca da sardinha e são donos também de um mercado situado em frente à colônia.

Pescador profissional, Mello contou nunca ter trabalhado no barco dos irmãos Eduardo e Leonardo. Mas admitiu ser obrigado a pagar até hoje "uma cervejinha", como Mello definiu, de pelo menos R$150 por cada mês que receber o benefício. Ele só decidiu participar da fraude porque a sua antiga embarcação não tinha autorização para exercer a atividade legalmente.

- É um dinheirinho que eu ganho para poder comprar as coisas aqui. Graças ao bolsa pesca, eu consegui fazer boa parte da reforma da casa. É uma grande ajuda essa bolsa - revelou Mello, que, atualmente, não ganha a vida com o peixe e, mesmo assim, está na lista com outras 33 pessoas de Niterói que têm direito ao benefício. - Faço biscate como guia turístico na Baía de Guanabara nos fins de semana - completou.

Procurado pelo GLOBO, apenas Eduardo Cunha foi encontrado no mercado. Ele negou as acusações de supostas irregularidades.

- Temos duas embarcações chamadas "Estrela do Horizonte". Um dos barcos é de uso industrial e, por isso, não tem direito de receber a bolsa. No outro barco, não existe qualquer tipo de fraude - disse Eduardo.

Para Ademir José dos Santos, diretor da colônia Z-8 (Niterói/ São Gonçalo), as fraudes foram facilitadas depois que as colônias perderam a autonomia para cadastrar os pescadores. Ele admitiu a presença de irregularidades, mas ressaltou que é difícil fazer a fiscalização.

- Há cinco anos, o cadastro dos pescadores era feito nas colônias. Então, a gente sabia quem era pescador e quem não era. Hoje, se chegar um bode, uma girafa no Ministério da Pesca dizendo ser pescador, eles ganharão a carteira - criticou Santos.

Enquanto isso, há casos como o do pescador José Joaquim de Oliveira Santos, de 64 anos, também de Jurujuba. Inscrito no "bolsa pesca", ele reclama da burocracia e do não pagamento dos meses agosto e setembro deste ano:

- Não recebemos até agora o seguro-defeso porque não havia folhas de cadastro no posto do Ministério do Trabalho de Niterói. Por isso, eu e outros colegas daqui perdemos o prazo. Durante esse tempo, sem poder pescar por causa da reprodução, eu só ganhava R$20 por dia trabalhando como mestre de rede.