Título: Macacos usam a mente para mover objeto virtual
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 06/10/2011, Ciência, p. 36

Neurocientista brasileiro avança na meta de fazer paraplégico andar

O neurocientista Miguel Nicolelis, da Universidade de Duke, nos EUA, corre contra o tempo para cumprir a promessa feita em sua terra natal, o Brasil: fazer com que uma criança paraplégica dê o pontapé inicial da Copa do Mundo de 2014. Diferentemente do cronograma de construção dos estádios, o de sua pesquisa está bem avançado. Na edição de ontem da "Nature", ele apresentou a mais recente etapa do estudo. Macacos conseguiram mover os braços de um avatar apenas com a força da mente e usá-los para manipular objetos num mundo virtual. Pela primeira vez, eles conseguiram diferenciar texturas. Num futuro próximo, a tecnologia poderá ajudar pessoas paralisadas.

- É um prazo curto até a Copa do Mundo, é difícil, mas acho que é um bom desafio para conseguirmos levar essa tecnologia que desenvolvemos há mais de uma década para uma aplicação clínica com relevância para a vida de milhões de pessoas - afirmou o cientista.

Atividade cerebral traduzida em chip

Os macacos, sem mover nenhuma parte do seu corpo, usaram a atividade elétrica para dirigir as mãos virtuais até os objetos virtuais. Um chip instalado na região do córtex cerebral responsável pelos movimentos controlou os braços por meio de um programa que simula a atividade de 50 a 200 células cerebrais.

- Registramos os sinais elétricos de centenas de células do cérebro e usamos um modelo matemático para extrair os comandos motores que são, então, traduzidos para comandos digitais - explicou o cientista. - Usamos um microchip sem fio para transmitir os comandos.

Os animais foram capazes de diferenciar as texturas desses objetos, expressas como padrões de sinais elétricos, transmitidos continuamente para seus cérebros. Três diferentes padrões elétricos correspondiam a cada uma das três texturas de objetos diferentes. Nicolelis chama o sistema de interface cérebro-máquina-cérebro porque ele traduz a atividade cerebral em movimento e, ao mesmo tempo, envia informações sobre a textura de volta ao cérebro.

A interação entre o cérebro e o avatar foi totalmente independente do corpo real do animal. Os macacos não mexeram os braços nem as mãos de verdade; sequer usaram sua pele para tocar os objetos e identificar a sua textura. Por isso, sustenta Nicolelis, é quase como se eles tivessem criado um novo canal sensorial, por meio do qual o cérebro pode processar uma informação que, até então, era incapaz de realizar.

- Na verdade, nós criamos um sexto sentido, um tato artificial em paralelo ao tato natural e aos demais sentidos - explicou. - Outras experiências estão nos mostrando que podemos também criar um outro sentido bem diferente dos cinco dos mamíferos. Quando conseguirmos isso, todo mundo vai ficar muito surpreso.

Grupo desenvolve "prótese inteligente"

A experiência sugere que, no futuro, pacientes paraplégicos ou mesmo tetraplégicos poderão tirar proveito da tecnologia. Como parte do projeto Walk Again ("Andar de novo"), o grupo de Nicolelis desenvolve o que chama de "prótese inteligente", uma espécie de exoesqueleto capaz de mover os membros paralisados de uma pessoa em resposta à atividade cerebral captada por um implante. Dessa forma, o paciente seria capaz de usar sua mente para comandar os movimentos. Ele garante que não seria nada parecido a um robocop, mas sim feito com material extremamente leve.

- Será como uma veste de astronauta, que permitirá ao paciente realizar os movimentos - contou, adiantando o tipo de aparato que pretende apresentar internacionalmente, pela primeira vez, na abertura da Copa do Mundo. - Será como um aparelho de reabilitação, para voltar a ter autonomia, uma prótese de corpo inteiro. Enquanto a pessoa o usar, voltará a ter autonomia.

A etapa mais imediata da pesquisa, no entanto, é refazer todas as experiências bem-sucedidas nos primatas em seres humanos. Ainda não há data prevista para o início dos testes. Parte das novas experiências, segundo Nicolelis, será feita no Brasil.