Título: Faltou clima
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 29/09/2011, O País, p. 3

STF desiste de julgar ação que tiraria do CNJ poder de investigar e punir magistrados

Diante da polêmica causada pelas declarações da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, de que é preciso combater a impunidade dos "bandidos que se escondem atrás de togas", o Supremo Tribunal Federal (STF) desistiu de julgar ontem a ação que tiraria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) poderes para investigar e punir magistrados por desvio de conduta. A tendência da Corte era esvaziar o CNJ, abrindo caminho para que o Conselho só examinasse denúncias já julgadas pelas corregedorias locais. Mas os ministros concluíram que não havia clima para tomar a decisão.

A ação estava na pauta, mas, no início da sessão, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, chamou outro processo para julgamento. Às 16h30m, quando interrompeu a sessão para o intervalo, os ministros ainda não sabiam se o assunto seria julgado. Durante o intervalo, com mais de uma hora de duração, o tema foi debatido a portas fechadas. Peluso declarou que a posição do STF não estava sendo compreendida pela mídia, e o momento não era propício para o julgamento. Um dia antes, o CNJ divulgara nota condenando as declarações de Eliana.

- O momento não é adequado para esse julgamento. Vamos deixar até que os fatos sejam mais esclarecidos, (devido) à celeuma, em termos de artigos sobre o cerceio à atuação, que todos aplaudem, do CNJ. Estou pronto há cerca de duas semanas para proceder o relato do caso e proferir voto, mas o pregão é do presidente. Penso que ele não vai apregoar nem hoje (quarta-feira), nem amanhã (quinta-feira) - disse o relator, Marco Aurélio Mello, antes do intervalo.

"Pecadilho" de Eliana Calmon

Sobre as declarações de Eliana, Marco Aurélio afirmou:

- A nossa corregedora cometeu um pecadilho, mas também não merece a excomunhão maior. Ela tem uma bagagem de bons serviços prestados à sociedade brasileira. É uma juíza de carreira, respeitada. Uma crítica exacerbada ao que ela versou, a rigor, fragiliza o próprio Judiciário e o próprio Conselho.

Anteontem, em sessão do CNJ, Peluso interpelou Eliana por sua entrevista à Associação Paulista de Jornais, em que ela diz que o esvaziamento das atribuições do Conselho seria "o primeiro caminho para a impunidade da magistratura", que, segundo ela, está infiltrada com "bandidos escondidos atrás da toga". Em resposta, Peluso leu nota do CNJ, não assinada por Eliana e outros dois conselheiros ausentes, dizendo que declarações "publicadas de forma generalizada ofendem a idoneidade e a dignidade de todos os magistrados".

O ministro Luiz Fux negou que o julgamento previsto para ontem tenha sido adiado por falta de clima:

- Acho que foi obediência ao regimento interno, que manda julgar processos mais antigos. Havia processos mais antigos na pauta. O processo estava pautado, todo mundo aqui está maduro para decidir.

Ao fim da sessão, o ministro Gilmar Mendes foi lacônico:

- Eu acho que está todo mundo reflexivo.

Mais cedo, em São Paulo, Gilmar defendeu a atuação do CNJ para fiscalizar os magistrados:

- A ministra está muito estimulada por seu trabalho. Quem lida com os problemas concretos certamente se empolga e quer resolvê-los - disse, propondo calma. - Não vejo com bons olhos essa tensão entre a Corregedoria e os outros órgãos. A Corregedoria do CNJ tem de acionar a corregedoria dos tribunais e estimulá-la.

A ação esperada para julgamento foi proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em novembro de 2010. A entidade quer derrubar uma resolução do Conselho que regula processos disciplinares contra magistrados. Se a expectativa se confirmar, a Corregedoria Nacional de Justiça, do CNJ, perderá a atribuição de investigar e punir magistrados antes que eles sejam processados pelas corregedorias dos tribunais locais. Isso incentivaria o corporativismo, já que muitos magistrados ficam desconfortáveis para julgar os próprios colegas.

Juiz acha que adiamento é positivo

Para o professor de Direito Constitucional da UFRJ e da PUC-RJ José Ribas Vieira, Peluso manobrou para não votar a restrição de poderes do CNJ.

- Demorou muito a discussão sobre o amianto (primeiro item da pauta de ontem do STF). Foi uma estratégia do presidente do STF no sentido de não votar, para esfriar os ânimos - disse Vieira.

O presidente do conselho executivo da Associação dos Juízes para a Democracia, juiz José Henrique Rodrigues Torres, afirmou achar positivo o adiamento:

- Essas polêmicas não devem ser perpetuadas, mas, por outro lado, talvez seja até interessante que a decisão seja amadurecida, para que não seja tomada de forma equivocada.

COLABORARAM: Tatiana Farah e Marcelle Ribeiro