Título: Governo reforça protecionismo em meio à crise. AGU vai atuar em contenciosos
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 10/10/2011, Economia, p. 22

Cresce proteção à indústria nacional. Novas medidas serão anunciadas hoje

BRASÍLIA. Os questionamentos judiciais em relação ao aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos automóveis importados estão longe de botar um freio na disposição do governo brasileiro de adotar barreiras protecionistas. Para compensar a indústria nacional da perda de competitividade, a presidente Dilma Rousseff determinou aos ministros da área econômica que não se cansem de buscar formas de o Brasil se defender - e atacar, sempre que preciso - na guerra cambial. Ao mesmo tempo, o governo prepara mais medidas para fortalecer o sistema de defesa comercial, a serem anunciadas hoje pelo chanceler Antonio Patriota. Uma delas será o envolvimento da Advocacia Geral da União (AGU) na resolução de contenciosos e pendências comerciais, junto com o Itamaraty.

Convencida de que EUA, União Europeia e Japão não superaram a crise de 2008 e caminham para a recessão, Dilma desenvolveu uma nova estratégia para proteger a indústria nacional e melhorar os dados da balança comercial de produtos industrializados. Ela determinou que as instituições envolvidas na área de promoção comercial, incluindo os ministérios das Relações Exteriores e do Desenvolvimento, a Agência de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e o BNDES, reforcem a política de integração Sul-Sul e deem atenção especial ao intercâmbio com a América Latina e África para manufaturados e Sudeste asiático para commodities.

Especialistas veem guinada na política externa

Segundo um levantamento do Ministério da Fazenda, nos últimos 12 meses, enquanto as exportações brasileiras para países em desenvolvimento somaram US$138 bilhões, as vendas às nações desenvolvidas foram de US$104 bilhões. A diferença de US$34 bilhões é importante, quando as previsões mostram que parte do planeta está desaquecido. Mercados como China, Indonésia, Peru, Colômbia, Coreia do Sul, África do Sul e Arábia Saudita são promissores e não podem ser desprezados na atual conjuntura, segundo especialistas.

Para fontes do próprio governo e especialistas do setor privado, o Brasil deu uma guinada em sua política externa, após duas décadas seguidas de abertura comercial. A postura é mais assertiva e tem como alvos não apenas a China, mas todos os países que, de alguma forma, abocanham fatias de mercado dos produtores nacionais, dentro do Brasil ou na disputa por clientes de terceiros países.

De olho na China, país com o qual o governo passado evitava polemizar, Dilma tem adotado medidas para dificultar o ingresso de importados, como tarifas antidumping - setor de calçados, por exemplo - e inclusão de diversos produtos em regime de licença não automática, o que faz com que o desembaraço da mercadoria importada leve até 60 dias. Isso também foi feito com os automóveis argentinos, como represália a medidas protecionistas do país vizinho.

O Brasil tem feito ataques diretos à China e a países que mantêm o câmbio desvalorizado artificialmente. E cobra dos Estados Unidos maior abertura aos produtos brasileiros.

O governo Dilma abriu 21 investigações este ano. O número é grande, se for levado em conta que o estoque de processos em curso é de 51 casos. Foram aplicadas 81 medidas de defesa comercial e estão sendo analisadas 26 petições no Departamento de Defesa Comercial do MDIC.

Um alto funcionário do governo brasileiro explicou que a ordem do Palácio do Planalto é no sentido de defender os interesses econômico-comerciais no atual momento de dificuldades. Isso vale para enfrentar os chamados surtos de importação. Além disso, nesse cenário de crise, os emergentes ganham ainda mais importância.

- O que estamos fazendo, a Europa e os EUA já fazem há muito tempo - disse a fonte.

- A questão é que o Brasil está se defendendo dele mesmo. A taxa de câmbio, a elevada carga tributária, a infraestrutura insuficiente e ineficaz e o alto custo de produção são problemas brasileiros - afirmou José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

"Setores específicos conseguem fazer valer seus interesses"

Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Antonio Jorge Ramalho, existem pressões de setores específicos que se sentem prejudicados pela concorrência, especialmente a asiática, e que têm sido atendidas.

- Não acho que haja um protecionismo generalizado. Há setores específicos que conseguem fazer valer seus interesses, como o setor automotivo.

Já Diego Santos, professor de política externa da PUC-Rio, concorda que houve mudança na área comercial, mas lembra que, no campo político, Dilma investe nos direitos humanos.

- Essa atitude, e a necessidade de melhorar o comércio, levou a presidente Dilma a se reaproximar mais dos EUA.