Título: Maioria de cassados governava cidades pobres
Autor: Remígio, Marcelo
Fonte: O Globo, 11/10/2011, O País, p. 11

Maior parte dos municípios que tiveram prefeitos afastados possui baixo IDH ou está na lanterna do Mapa da Pobreza

Dos cem municípios com o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no Brasil, em pelo menos 16 os prefeitos eleitos ou reeleitos em 2008 foram cassados por improbidade administrativa ou problemas relacionados a infrações eleitorais, como abuso do poder econômico, compra de votos e uso irregular dos meios de comunicação. O quadro se repete no Mapa da Pobreza e da Desigualdade do IBGE: a maioria das 275 cidades brasileiras onde ocorreram fraudes que culminaram em cassações está entre as mais pobres do país. Há casos de municípios nordestinos, entre eles Coronel José Dias (PI) e Marechal Deodoro (AL), e do Centro-Oeste, como São Félix do Tocantins (TO), onde o índice da população que vive em situação de pobreza chega a superar 60%.

Ontem, no Piauí, estado que lidera o ranking de prefeitos que perderam mandatos a partir de 2009, mais um gestor foi afastado engrossando a lista de nacional de cassados para 275. Na edição de ontem, levantamento do GLOBO mostrou que, além do Piauí, que já soma 51 prefeitos afastados dos cargos, Minas Gerais, Bahia e Mato Grosso são os estados que mais registraram cassações: 38; 32 e 23 respectivamente.

Para promotora, cidades pobres são reféns

Para o cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Paulo Baía, a fragilidade das cidades mais pobres pode ser explicada com uma análise da cultura local. A falta de controle da sociedade - nem sempre há entidades de classes e igrejas e imprensa fortes -, a certeza da impunidade e o sentimento excessivo de poder motivariam casos de desvios de recursos públicos

- Nas grandes cidades, com IDH mais alto, a fiscalização da sociedade é maior. Os desvios existem, só que são mais sofisticados. Enquanto isso, nos municípios mais pobres, sem o controle da população e da imprensa, alguns gestores acreditam na certeza da impunidade e agem como donos das cidade. Sem fiscalização, a facilidade para desvios é maior - diz Baía.

Já a promotora Karla Padilha, do Ministério Público Estadual de Alagoas, que conseguiu afastar nos últimos dez anos cerca de cem prefeitos por irregularidades, quanto maior a pobreza, maior o risco de a cidade ser vítima de maus gestores. Segundo ela, as verbas, que deveriam ter como destino a melhoria da qualidade de vida da população, acabam se perdendo em benefício próprio do gestor, que nem sempre se preocupa em esconder esquemas de corrupção. O dinheiro desviado é gasto na própria cidade.

- A corrupção tem muitos tentáculos. Quanto mais pobre um município, mais ele fica refém da corrupção. No Rio de Janeiro ou em São Paulo, há corrupção, mas ela é mais sofisticada. Primeiro, há a cultura de se votar em alguém que rouba, mas faz. E o dinheiro desviado em obras faraônicas vai para paraísos fiscais. Em cidades menores é diferente. O dinheiro é usado ali mesmo, em bens - diz a promotora.

COLABOROU Odilon Rios, especial para O GLOBO