Título: Sob o fantasma do Iraque
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Fonte: O Globo, 14/10/2011, O Mundo, p. 30

Obama diz ter provas contra o Irã, mas analistas duvidam da participação de cúpula do regime

NOVA YORK e WASHINGTON

Diante do ceticismo demonstrado por especialistas e alguns governos de que o suposto complô para matar o embaixador saudita em Washington partiu da alta cúpula iraniana, o presidente Barack Obama, em sua primeira declaração sobre o caso, afirmou ter provas do envolvimento do regime de Teerã no plano. Enquanto Obama elevava o tom contra o Irã - garantindo que o país enfrentaria as sanções mais duras possíveis - renomados especialistas no assunto afirmaram que o complô destoa claramente da maneira como a inteligência iraniana atua no exterior. Muitas vozes se elevaram ainda para pedir cautela, alegando que o episódio traz à tona o fantasma de 2003, quando Washington garantiu ter provas irrefutáveis de que Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa antes de invadir o Iraque.

- Não tiramos nenhuma opção de cima da mesa em relação ao modo como vamos lidar com o Irã - ameaçou Obama.

Na ONU, a embaixadora americana Susan Rice deu detalhes sobre o caso aos países que ocupam atualmente uma cadeira no Conselho de Segurança. Enquanto Alemanha, Colômbia e Reino Unido disseram ter levado as informações "muito a sério", Rússia e China reagiram com cautela, lembrando que muitas questões ainda estão em aberto. Por sua vez, a França - que anunciara apoio aos EUA na véspera - disse não estar segura do envolvimento da alta cúpula do governo iraniano.

- Funcionários iranianos conspiraram, mas não sei em que nível - disse o embaixador francês Gerard Araud.

Já a embaixadora brasileira Maria Luiza Ribeiro Viotti se mostrou pouco convencida, pedindo que primeiro a Justiça americana julgue o caso. Mas, se os EUA tiverem provas, a História mostra que o país terá pouca dificuldade para mobilizar o conselho contra o Irã. Fontes diplomáticas contam que Washington estuda todo tipo de ação contra o país - que voltou a negar qualquer envolvimento.

- Eles ainda não formularam um plano - disse um embaixador. - Novas sanções, uma resolução, uma condenação, tudo é possível.

O governo americano também continuou a trabalhar internamente para isolar ainda mais o Irã no cenário internacional. Depois de impor restrições à companhia Mahan Air e a cinco altos funcionários da Guarda Revolucionária iraniana, supostamente ligados a Mansur Arbabsiar e Gholam Shakuri - os dois homens indiciados até agora pelo caso - o Departamento do Tesouro americano estuda a adoção de sanções ao Banco Central do Irã para isolar o país economicamente. Por sua vez, o Departamento de Estado revelou já ter entrado em contato direto com autoridades iranianas - um passo raro desde que os dois países romperam relações diplomáticas, em 1980, meses após a Revolução Islâmica.

Mas as denúncias dos EUA contra o Irã foram recebidas com certo ceticismo por especialistas no assunto, que alertam para o alto grau de amadorismo do plano desbaratado pelo FBI.

- Eu acho muito difícil acreditar que o Irã teria confiado numa gangue não islâmica para uma missão tão sensível - disse Gary Sick, professor da Universidade de Columbia, que monitorou o país durante a Revolução Iraniana como membro do Conselho Nacional de Segurança.

Para Meir Javedanfar, analista iraniano-israelense radicado em Tel Aviv, o plano contraria os interesses do governo de Teerã.

- O Irã sabe que não suportaria uma guerra contra os EUA. E sabe também que a deterioração das relações levaria a novas sanções e maior isolamento, o que prejudica a capacidade do regime de se manter em pé.

Correspondente no Oriente Médio desde 1979, o jornalista irlandês Patrick Cockburn foi ainda mais enfático:

"Nada disso faz sentido", diz num artigo do "Independent". "O problema é que os EUA se comprometeram com uma versão dos fatos que, apesar de improvável, se for verdadeira, seria um verdadeiro caso de guerra contra o Irã. Será difícil para os EUA voltarem atrás".