Título: Cena argentina
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 15/10/2011, Economia, p. 34

Com a vitória anunciada da presidente Cristina Kirchner, as eleições presidenciais na Argentina no próximo domingo podem parecer a reprise de um filme, sem grandes emoções, mas esta é apenas uma primeira impressão, que no caso não é a que vale .O segundo mandato da senhora Kirchner deve ser diferente do primeiro não apenas internamente, mas também na relação com o Brasil.

O economista Fábio Giambiagi observa que com a eleição de Cristina Kirchner a Argentina começa uma nova fase,marcada por tendências contraditórias. De um lado, a vitória folgada da atual presidente sobre seus adversários fará emergir das urnas um governo politicamente forte e com tendência à radicalização das posições assumidas na campanha. Na relação difícil com a mídia, na arrogância com que trata setores do empresariado, no viés protecionista. Mas se na política Kirchner vem nadando de braçadas, na economia a situação é muito diferente e os desafios do segundo mandato são enormes. Em tempos de crise global, a Argentina precisa administrar a sua própria crise. Fuga de capitais, escalada da inflação, crescimento apontando para baixo, desemprego em alta,pressões por reajuste de salários, queda nas exportações são alguns desses problemas. ¿ Se politicamente o governo sai fortíssimo das eleições, economicamente as suas bases são mais frágeis ¿ destaca Giambiagi.

E o que muda na relação com oBrasil? Na campanha eleitoral, o governo argentino radicalizou seu viés protecionista, adotando várias medidas para brecar a entrada de produtos brasileiros naquele país. Com as barreiras atingiu os setores de calçados, alimentos, tratores, máquinas e equipamentos, entre outros. Ministros e técnicos do governo brasileiro tentaram em reuniões intermináveis com a poderosa ministra do Comércio Exterior da Argentina, Débora Giorgi, acordos para levantar as barreiras, mas ficou muito claro nessas conversas que a proximidade da eleição já dominava o discurso e as ações do governo argentino.

Assim, nos bastidores ,foi feito uma espécie de acordo de parceiros, que nunca será admitido publicamente, mas existiu de fato.Ou seja, o Brasil não prejudicaria a eleição de Cristina Kirchner, desde que a presidente e sua equipe econômica mudassem de tom no segundo mandato.

Agora se aproxima a hora da verdade. Passada a eleição, o governo brasileiro vai querer sentar de novo na mesa para discutir todas essas medidas. E Cristina Kirchner terá que decidir secontinua no palanque ou assume uma posição mais flexível. É claro que, terminada a trégua, o Brasil deve dar o troco na mesma moeda,se a decisão for de endurecer. Eaí aArgentina tem muito mais a perder.

Número cabalístico

É consenso entre economistas que o crescimento da China este ano e no próximo não chega aos dois dígitos. A dúvida que impera ésobre a intensidade da freada. O número mágico é 8%. Se o crescimento do país apontar para uma taxa abaixo desse patamar, os mercados ficarão cada vez mais nervosos e ganhará força a percepção de que o mundo corre perigo. ¿ Taxas de 6% e 7% trazem a sensação de que é um crescimento muito baixo para o padrão chinês ¿ observa a economista Fabiana D¿Atri, do Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco.

Na terça-feira, o PIB chinês do terceiro trimestre será divulgado e a expectativa é que ainda fique em torno de 9,5% na comparação anual. A exemplo do que acontece no Brasil, a desaceleração chinesa é motivada em grande parte pela alta da inflação,o que obrigou o governo a promover um ajuste interno.

QUEDA ESPERADA: Na quinta-feira sai o IPCA-15 de outubro e a expectativa é que a taxa em 12 meses finalmente comece a cair. A Máxima Asset prevê 0,43% no mês, o que deve trazer o acumulado de 7,33% para 7,15%.

INTERROGAÇÃO: Se nos meses de novembro e dezembro a redução da taxa acumulada em 12 meses será suficiente para que a inflação termine o ano abaixo do teto da meta de 6,5% é a grande dúvida.

AGENDA CHEIA: Na semana teremos ainda reunião do Copom, que deve continuar reduzindo juros, e mais a divulgação do IGP-10 e da segunda prévia do IGP-M, pela Fundação Getúlio Vargas.