Título: Gastança faz dívida crescer R$130 bilhões
Autor: Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 28/08/2009, Economia, p. 12

Aumento explosivo decorre da expansão da despesa combinada com a redução da receita e só não foi maior porque juros estão em queda

Em função dos gastos, as contas públicas entraram no foco dos investidores. A atenção maior hoje é com o resultado fiscal¿ Zeina Latif, economista chefe do ING Bank

Zuleika de Souza/CB/D.A Press - 24/6/05

A despeito da alta, o custo da dívida pública brasileira é bem menor do que o efeito que a crise causou em outras economias¿ Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do Banco Central

A gastança desenfreada do governo ¿ que inclui investimentos e custeio, como despesas de pessoal, além de mais reajuste de aposentados e pensionistas da Previdência Social no horizonte ¿, aliada à queda da arrecadação e às medidas para a diminuir o efeito da crise financeira internacional, fez disparar a dívida pública. Segundo os dados divulgados ontem pelo Banco Central (veja quadro), a dívida líquida do setor público aumentou 5,2 pontos percentuais do PIB no espaço de poucos meses. Em dezembro de 2008 a relação dívida/PIB estava em 38,8% e passou para 44,1% em julho último.

Em termos absolutos, a dívida cresceu R$ 130 bilhões no período, saltando de R$ 1,153 trilhão em dezembro do ano passado para R$ 1,283 trilhão em julho de 2009. A situação só não é pior porque o governo conseguiu, no período, reduzir as despesas com juros (1). A trajetória de alta desse importante indicador não deixa o governo confortável. A relação dívida/PIB sempre foi usada pelos investidores estrangeiros como um sinal de solvência do governo, ou seja, ela serve para medir a capacidade de pagamento do país.

Câmbio

O próprio Banco Central já abandonou a projeção para a dívida em relação ao PIB, que era de 41,4% para o ano. O chefe do Departamento Econômico do Banco Central (Depec), Altamir Lopes, tem uma explicação. Ele disse que, no curto prazo, essa relação vem sendo influenciada pelo ajuste cambial e pelo efeito do IGP-DI, que valoriza o PIB, mas que está com uma deflação acumulada no ano de 1,69%. Com o PIB valorizado em queda, a dívida cresceu no mês 0,8 ponto percentual . Tudo indica que a dívida líquida fechará o ano em patamar bem superior ao projetado há três meses pela autoridade monetária.

Nesse período, o preço do dólar inverteu a trajetória de alta e mantém queda acentuada. A valorização cambial tem impacto direto e negativo sobre a dívida, explicou Lopes, porque o governo tem ativos em moeda estrangeira que perdem valor quando o real sobe. Para se ter uma ideia desse impacto, de acordo com o BC, para cada 1% de apreciação cambial a relação dívida/PIB aumenta 0,11 ponto percentual. Não é pouca coisa.

Só o ajuste cambial contribuiu com 2,1 pontos na elevação da dívida, o equivalente a R$ 63,196 bilhões. Os juros nominais aumentaram a dívida em R$ 95,1 bilhões nos primeiros sete meses do ano. Mesmo assim Lopes destacou que, ¿a despeito da alta, o custo da dívida pública brasileira é bem menor do que o efeito que a crise causou em outras economias.

No médio prazo, no entanto, Lopes garante que a trajetória da dívida será outra. Com a expectativa de retomada da economia, o governo conseguirá fazer um superávit primário mais elevado. Mais economia significará mais dinheiro, inclusive para cobrir pelo menos uma parcela dos juros que são apropriados a cada mês. Com isso, a tendência da dívida será de queda. Já para agosto, o chefe do Depec prevê pequena elevação na relação da dívida com o PIB, que deverá chegar a 44,2%. Em setembro, o BC fará nova projeção da dívida para o ano.

A economista chefe do ING Bank, Zeina Latif, concorda. Ela observa que o efeito de alta pode ser transitório e que não está em jogo a solvência do Estado no momento. ¿A dívida não está fora de controle. A tendência é, provavelmente, de queda no médio prazo¿, disse. De acordo com Zeina, no curto prazo, a trajetória do PIB sofre desvios em função de detalhes metodológicos, que têm impactos na relação dívida/PIB . Para a economista, o mercado tem uma preocupação com o resultado fiscal do governo. ¿Em função dos gastos, as contas públicas entraram no foco dos investidores. A atenção maior hoje é com o resultado fiscal¿, comentou. Isso acontece, explicou, justamente pela estrutura do gasto, que pode estar muito focada no custeio e com despesas que se tornam permanentes como, por exemplo, o aumento do funcionalismo público e o reajuste dos aposentados.

1 - Efeito juros A situação das contas públicas somente não está pior porque o pagamento de juros está caindo em decorrência da flexibilização da política monetária. Nos 12 meses terminados em março, por exemplo, o pagamento de juros somou R$ 163,203 bilhões, o equivalente a 5,61% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Em julho último, esses encargos apropriados totalizaram R$ 150,933 bilhões ¿ redução de R$ 12,270 bilhões. Com isso, a relação com o PIB baixou para 5,11%. É a melhor relação juros/PIB da série histórica.

O pior superávit

A economia que o governo vem fazendo para honrar os juros da dívida pública está cada vez menor. Em julho, o superávit primário atingiu apenas R$ 3,180 bilhões, o pior resultado da série histórica do Banco Central para esse mês. Na comparação com julho do ano passado, quando o setor público poupou R$ 11,057 bilhões, a queda foi superior a 70%, segundo cálculos do Banco Central.

A má notícia não para por aí. Nos sete primeiros meses deste ano, o superávit somou minguados R$ 38,435 bilhões, contra R$ 92,770 bilhões do mesmo período de 2008. É também o pior resultado para o período desde 2002. Para o chefe do departamento Econômico do BC (Depec), Altamir Lopes, o resultado é coerente com o nível de atividade mais baixo da economia. Nesse período, segundo Lopes, o governo sofreu com a queda da arrecadação de mais de R$ 30 bilhões nas receitas com impostos, além de ter aberto mão de tributos para estimular a economia, que entrou em recessão por causa da crise mundial. Foi reduzido o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de automóveis, materiais de construção e eletrodomésticos.

Nesse contexto, pela primeira vez, em quase uma década, o setor público corre o risco de não cumprir a meta de superávit primário, que já foi reduzida, de 3,8% para 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Nos 12 meses terminados em julho, a economia para o pagamento de juros cravou 1,76% do PIB (R$ 52,085 bilhões). É o pior resultado da série histórica do BC desde 2001, quando o país mergulhou em uma profunda crise por causa do racionamento de energia elétrica.

Petrobras

Ciente de que teria muita dificuldade para cumprir a meta deste ano, o governo não só reduziu o superávit primário como retirou a Petrobras dos cálculos. A estatal é a maior investidora do país. Sozinha, a empresa responde por mais de 30% do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com o superávit primário em queda, o resultado nominal só vem piorando. Somente em julho, o deficit foi de R$ 12,989 bilhões, quase o dobro de julho de 2008, que registrou um rombo nominal de R$ 7,883 bilhões.

No resultado nominal está incluída a apropriação de juros, que não é feita no resultado primário. Para apurar a economia que faz, o governo computa, no primário, apenas a totalidade das receitas e despesas. O pagamento de juros entra no resultado nominal. Como quase nunca a economia é suficiente para pagar os juros, o resultado nominal fica no vermelho. Nos 12 meses terminados em julho o nominal é deficitário em R$ 98,848 bilhões, o pior resultado da série desde setembro de 2003. (VC)