Título: Acusador é rico, temido e suspeito de fraudes
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 18/10/2011, O País, p. 13

Policial autor de denúncia contra ministro tem duas ONGs beneficiadas e está sendo processado para devolver dinheiro

BRASÍLIA. O soldado da Polícia Militar João Dias Ferreira bate no peito e fala grosso contra o ministro do Esporte Orlando Silva da mesma forma que vinha fazendo nas últimas semanas contra o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz. Ex-militante do PCdoB de Orlando Silva e dono de duas ONGs voltadas ao esporte, João Dias se tornou um dos policiais mais ricos e temidos de Brasília. Com um arquivo no qual constariam vídeos e papéis de conteúdo explosivo, o soldado enfrenta os superiores, escapa de investigações e ainda indica apadrinhados para cargos no governo Agnelo.

- O João Dias afirma ter provas que demonstram tudo o que diz - afirmou o advogado Michael Roriz de Farias.

Ontem, numa sequência de entrevistas, o soldado voltou a atacar o ministro do Esporte. Garantiu que Orlando Silva o recebeu em 2008, no ministério, para acertar as diferenças entre a pasta e a ONG que dirigia, e ainda acusou o ministro de saber de fraudes com prestações de contas para justificar gastos do programa Segundo Tempo.

- Ele sabe muito bem. Estive com ele e ele se comprometeu a punir as pessoas responsáveis por fraude em documentação. Não foi isso que aconteceu. Ele acobertou - disse o soldado ao Jornal Nacional.

Depois que ingressou nas fileiras do PCdoB, João Dias passou a comandar duas ONGs - a Federação Brasiliense de Kung-Fu e a Associação João Dias de Kung-Fu -, fez convênios com o Ministério do Esporte, durante a gestão de Agnelo, e montou duas academias de ginástica. Atualmente, mora numa mansão em condomínio fechado, com três carros importados na garagem: um Camaro, um Volvo e uma BMW. Patrimônio bem acima do rendimento mensal de um soldado brasiliense, em torno de R$4,5 mil por mês.

O Ministério Público Federal ingressou com duas ações na Justiça Federal para que o soldado devolva aos cofres públicos cerca de R$4 milhões. A cifra corresponde ao que teria sido desviado pelas duas ONGs de João Dias.

O poder de fogo de João Dias pareceu mais evidente quando ele, de um blog que mantém na internet, chamou Orlando Silva de "bandido". Mas a influência do soldado é antiga. Uma das mais eloquentes demonstrações se deu em agosto. Pouco mais de um ano depois de passar cinco dias preso sob a acusação de desviar R$3,2 milhões do programa Segundo Tempo, João Dias emplacou o afilhado Manoel Tavares na BRB Seguros, a corretora do Banco Regional de Brasília, um dos cargos mais cobiçados do governo local.

Antes de ir para a seguradora, Tavares passou alguns meses, também por indicação de Dias, como diretor da Companhia de Planejamento do Distrito Federal, outro cargo cobiçado. A perda da indicação não implicou em diminuição de poder. Logo depois da demissão de Tavares, o ex-presidente da Codeplan Miguel Lucena foi escalado para "acalmar" o soldado.

- Ele estava indócil - contou Lucena a um interlocutor depois do encontro em que tentava evitar a cólera do soldado.

Lucena não teve sucesso na missão. Menos de dois meses depois, João Dias começou a cumprir parte das ameaças que vinha fazendo e, em blog e entrevistas, disparou contra o governador e Orlando Silva.

Segundo um antigo conhecido do policial, João Dias era, há menos de dez anos, um soldado que tinha que arrecadar dinheiro com amigos para participar de campeonatos de kung-fu. A mudança de status só ocorreu depois que se aliou a um grupo de militantes do PCdoB, então liderado por Agnelo Queiroz.