Título: Política errática
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 18/10/2011, Trabalho, p. 30

Um mês depois da elevação em 30 pontos percentuais do IPI dos carros importados, ainda existem muitas dúvidas sobre a medida. O viés protecionista está claro, mas tudo indica que não é só esta a explicação para uma decisão tão polêmica adotada pelo Ministério da Fazenda. O consenso no governo é só fachada. Nos bastidores, as demais áreas tentam decifrar as entrelinhas dessa decisão.

Do ponto de vista jurídico, o aumento do IPI dos carros não se sustenta, como está mostrando a enxurrada de liminares obtidas na Justiça pelas montadoras contra o imposto. O governo não levou em conta o prazo de carência de 90 dias para a cobrança, como determina a Constituição no artigo 150, o que abriu a brecha para as liminares.

O aumento do IPI pega uma parcela muito pequena do mercado de automóveis importados, entre 4% e 8%. Sem dúvida, teve como alvo as montadoras asiáticas. E são estas que já avisaram ao governo que vão entrar com reclamações na OMC contra a medida. O primeiro passo nesse sentido foi o pedido de explicações na reunião do comitê de acesso a mercados da Organização, na sexta-feira.

Assim, enquanto para o resto do mundo o governo está dizendo "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço", já que o ministro Guido Mantega adora protestar contra o protecionismo dos outros, internamente, a medida só está agradando mesmo a um segmento da indústria, as montadoras instaladas aqui. Os demais setores continuam a esperar por uma política industrial que faça sentido e reflita as promessas oficiais. Ou seja, voltada para o aumento da competitividade dos produtos brasileiros no exterior. Isso depende da prometida desoneração de tributos, da redução do custo da logística e de outros custos. O governo não avançou nessa direção e ainda tem contribuído para elevar a carga das empresas.

Fábio Faria, vice-presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil, informa que a taxa de utilização do Siscomex foi reajustada em 517% em maio, sob o argumento que estava congelada desde 1998; a inflação do período foi de 214%. Além disso, a Secretaria do Patrimônio da União criou em janeiro uma taxa sobre o uso de águas públicas, que atinge as operações portuárias e onera as exportações.

- Até agora vimos muita intenção, mas pouca coisa prática acontecendo para melhorar a competitividade do produto brasileiro. Essa medida do IPI não ajuda e ainda cria um complicador, que são esses questionamentos - destaca o dirigente.

Se existem dúvidas sobre a real motivação do Ministério da Fazenda com o aumento do IPI dos carros: proteção à indústria nacional, aumento da arrecadação ou uma trava para que determinadas montadoras se instalem aqui, uma coisa é líquida e certa. A política industrial continua errática e o governo sem um comando firme nessa área.