Título: Ministro lembra até AI-5 ao fazer sua defesa
Autor: Fabrini, Fábio; Alencastro, Catarina
Fonte: O Globo, 19/10/2011, O País, p. 4

Sem perguntas da oposição, Orlando Silva diz que acusar alguém e não provar é como tribunal de exceção

BRASÍLIA. A sessão de mais de quatro horas na Câmara para ouvir as explicações de Orlando Silva sobre seu envolvimento em suposto esquema de corrupção virou ontem ato do governo em defesa do ministro do Esporte. Os líderes da oposição se abstiveram de fazer perguntas ao ministro, argumentando que só depois de ouvir o policial João Dias Ferreira, autor das denúncias, será possível esclarecer o caso. Lotado de correligionários do PCdoB e de governistas, o plenário não economizou elogios e palavras de apoio ao titular do Esporte, por vezes aplaudido.

O ministro falou pouco, já que os discursos de parlamentares de três comissões tomaram quase todo o tempo. E não fez revelações novas. Ao que vem argumentando desde sábado, quando surgiram as denúncias, acrescentou que não se encontrou com o policial, em 2008, para propor que se calasse, falsificando um documento.

- Nenhuma reunião desse tipo aconteceu com a minha participação - assegurou Orlando Silva, voltando a chamar de bandido o policial.

Orlando Silva reiterou ser inverídica a denúncia de que o ministério teria feito caixa dois para financiar campanhas de seu partido, o PCdoB, chamando-a de "ameaça à democracia". E manteve a promessa de processar Dias por calúnia. Em sua defesa, evocou até o julgamento dos carrascos nazistas responsáveis pelo holocausto:

- Eu me lembrei do tribunal de Nuremberg, de uma manifestação na triste fase do Brasil: "às favas com os escrúpulos" (frase de Jarbas Passarinho na edição do AI-5). É tribunal de exceção. Acusar alguém e não provar, sem o devido processo, é tribunal de exceção. Isso tangencia o fascismo, o autoritarismo.

Bancada do PCdoB compareceu em peso

A bancada do partido estava presente em peso para dar suporte ao correligionário. O presidente da legenda, Renato Rabelo, assistiu a todo o depoimento do ministro e ainda o acompanhou à entrevista coletiva que ele concedeu após a audiência. Em sua apresentação inicial, Orlando Silva fez uma apresentação dos trabalhos que o ministério vem desenvolvendo na área social - inclusive o Programa Segundo Tempo - e para organizar as Olimpíadas e a Copa do Mundo. Contra as acusações, seu principal argumento, bem como o de representantes da base do governo, foi o de que até agora o delator do suposto esquema ainda não apresentou provas que diz ter.

O ministro disse ser vítima de uma "trama" armada por uma "fonte bandida", que estaria reagindo a interesses feridos. Orlando Silva também disse acreditar que o objetivo de Dias é desviar a atenção da polícia, que já investiga o caso, das denúncias que pesam contra ele próprio. A deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) disse que o policial responde a 11 processos.

A oposição chegou atrasada à sessão, depois de reunião que teve justamente com o policial que revelou o esquema à revista "Veja". Dois deputados - Vaz de Lima (PSDB-SP) e Rubens Bueno (PPS-PR) - pediram a instalação de uma CPI para investigar as acusações que pesam sobre o ministro. Bueno, que é líder do PPS foi mais longe e sugeriu que Orlando Silva se afaste do cargo até que o caso seja esclarecido. Ele insinuou que provas contra ele podem estar sendo apagadas dentro do ministério.

- Se o ministro não pede licença para provar que não fez nada errado e se a presidente Dilma não manda afastá-lo é porque há impressão digital sendo apagada - acusou.

Os líderes do DEM, Antônio Carlos Magalhães Neto (BA), e do PSDB, Duarte Nogueira (SP), retiraram-se após apresentar pedido de requerimento para ouvir João Dias. Após o depoimento do policial, eles propuseram que Silva seja convidado novamente. ACM Neto afirmou que as revelações do acusador foram "estarrecedoras", mas não apresentou nenhuma.

- Esse depoimento precisa ser de conhecimento do Brasil. Não pode ser de conhecimento apenas dos partidos de oposição. Nós aqui, hoje, não faremos nenhum questionamento ao ministro, porque desde ontem (anteontem) informamos que a presença do ministro aqui era apenas para garantir palanque e plateia - justificou.

- A razão pela qual o senhor João Dias Ferreira veio fazer o encontro e prestar as suas informações aos líderes do Senado e da Câmara foi porque ele teme pela sua integridade física, pela sua vida - alegou Nogueira, arrancando gargalhadas dos governistas.

Pela manhã, Dias alegara motivo de saúde para faltar a depoimento na Polícia Federal, embora tenha aparecido no Congresso.

- Ele, que eu vi ontem à noite, à 1h30m, num jornal respeitado da TV Globo, novinho em folha, ao vivo e em cores, declarou hoje (ontem) de manhã que não podia comparecer à PF. Deve ter adoecido de madrugada, com o frio, a secura de Brasília - ironizou o líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN)

O líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), assistiu a quase toda a sessão, sentado na mesa da presidência da comissão, fazendo defesa veemente de Silva:

- Se esse cidadão (Dias) tem provas, como diz que tem, porque ele não apresentou à PF. Se diz que tem gravação, por que fica nas coxias, com alguns líderes da oposição, e não a apresenta? Até agora não saiu na imprensa nada que desabone a conduta do ministro.

Oposição insiste em que policial seja ouvido

Hoje devem ser votados requerimentos para que o policial seja ouvido. Com a comissão em clima de amistoso, Silva chegou a receber voto de confiança até mesmo de parlamentares da oposição.

- Não vi em seus olhos nenhum traço de alguém que realmente tenha pego dinheiro em mãos. Tenho experiência grande nisso, de bater o olho e saber quando alguém está envolvido - disse Fernando Francischini (PSDB-PR).

Para os governistas, a situação de Orlando está resolvida e seu permanência no governo assegurada. Entidades esportivas, a princípio, comemoraram sua possível saída do governo. Mas, ao mesmo tempo, ficaram preocupadas com uma possível mudança no ministério neste momento, em que há preparativos para a Copa do Mundo e Olimpíadas.

Presente em peso, os parlamentares do PCdoB procuraram desqualificar Dias e fizeram ataques a setores da imprensa por noticiar as denúncias.

- É esse cidadão que a oposição vem aqui e diz que a palavra dele vale mais que a sua? É esse cidadão que a imprensa escuta e diz que a palavra dele vale mais que a sua? Azar da mídia golpista, porque mexeu com o PCdoB e o nosso partido não se furtaria a vir aqui fazer o debate e dizer a verdade que tem que ser dita - reclamou, em tom de indignação, Perpétua de Almeida (BA).