Título: Jogo com a Saúde
Autor: Moraes, Marcos
Fonte: O Globo, 23/10/2011, Opinião, p. 7

Recentemente assisti indignado a mais um desmando da indústria do tabaco para deter as conquistas que o Brasil vem conseguindo na redução do tabagismo. O Sindicato da Indústria do Tabaco, que representa grandes corporações transnacionais de fumo atuantes no Brasil, conseguiu sustar judicialmente uma audiência pública na qual a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apresentaria o balanço da consulta pública da proposta para proibir aditivos que dão sabor aos cigarros.

Desde o ano passado, o setor fumageiro tenta impedir a aprovação dessa medida. Em um grande esforço, que antecedeu esse lamentável episódio, conseguiu retardar por quase seis meses o processo de análise das contribuições às consultas públicas pelos técnicos da Anvisa, ao mobilizar 200 mil manifestações formais contra as medidas propostas. A tática usada foi a da desinformação e da disseminação do terror de que as medidas da Anvisa prejudicariam os pequenos produtores de fumo do país.

A proibição de utilização de aditivos impediria o uso do tabaco tipo burley na confecção de cigarros, já que esse tipo de tabaco exige a adição de açúcar para diminuir o sabor forte e a sensação de irritação causada por sua fumaça na garganta. Segundo o setor fumageiro, isso provocaria um impacto negativo sobre os produtores desse tabaco - 50 mil famílias.

Na verdade o que defendem é a tecnologia dos aditivos desenvolvida por grandes fabricantes de cigarros, que tem se mostrado vital para a expansão desse negócio, pois é a garantia de que centenas de milhares de adolescentes que experimentam cigarros todos os anos não desistam de continuar a fumar devido ao gosto ruim de sua fumaça. Os aditivos permitem que a fase de experimentação se mantenha pelo tempo necessário para que a dependência se instale e se encarregue da continuidade do consumo regular.

Se a intenção desses senhores fosse defender o fumicultor, estariam atentos ao fato de que produzir fumo não trouxe riqueza nem qualidade de vida aos pequenos agricultores, pois a maioria dos fumicultores está aprisionado em um ciclo vicioso de dívida e doenças inerentes a essa atividade. E estariam atentos que, com a adesão de 174 países à Convenção Quadro - tratado internacional sobre regulação do consumo de cigarros - em breve esses pequenos agricultores sentirão na pele a retração da demanda global do fumo, o que já foi previsto em 2003 por estudo da Organização das Nações Unidas para Agricultura (FAO).

Se de fato querem ajudar o Brasil, trabalhem para romper os elos que mantém fumicultores e municípios brasileiros economicamente reféns da cadeia produtiva do fumo e parem de obstruir medidas que ajudarão nosso país a reduzir a experimentação de cigarros entre adolescentes. É isso a que chamamos de responsabilidade social na defesa do desenvolvimento sustentável.

MARCOS MORAES é presidente do Conselho de Curadores da Fundação do Câncer e da Academia Nacional de Medicina.