Título: Nada nem ninguém no caminho
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 23/10/2011, O Mundo, p. 45

O próximo mandato de Cristina, que deve triunfar nas urnas hoje, é repleto de incógnitas

Se a presidente argentina, Cristina Kirchner, obtiver entre 52% e 58% dos votos nas eleições de hoje como projetaram as últimas pesquisas e se seu governo recuperar, como previsto, o controle do Congresso, Cristina será a chefe de Estado mais poderosa do país desde a redemocratização, em 1983. Serão entre 115 e 125 deputados que, somados a seus aliados, atingiriam os 129 votos necessários para aprovar projetos de lei. No Senado, a Frente para a Vitória (FPV, sublegenda do Partido Justicialista fundada pelo ex-presidente Néstor Kirchner) e seus parceiros políticos seriam maioria, já que ficariam com 38 das 72 cadeiras.

Hoje também serão eleitos dez governadores, de um total de 24 províncias. Em seis distritos, entre eles a província de Buenos Aires (onde vivem 40% dos eleitores do país) e Santa Cruz, terra natal do ex-presidente Kirchner, os atuais governadores kirchneristas são favoritos e buscarão sua reeleição. No caso de San Juan, o peronista José Luis Gioja provavelmente conquistará seu terceiro mandato consecutivo, após aprovar uma polêmica reforma constitucional. Entre janeiro e setembro, outras 12 províncias elegeram suas autoridades. Em oito delas venceram candidatos da FPV e sócios políticos da Casa Rosada.

- O governo de Carlos Menem, entre 1989 e 1999, também foi dominante em sua primeira etapa, mas Cristina terá a vantagem de governar com uma oposição fragmentada e enfraquecida - diz Ignácio Labaqui, professor da Universidade Católica Argentina (UCA).

Segundo ele, "as principais metas das forças opositoras serão trabalhar para oferecer uma boa alternativa nas legislativas de 2013 e construir lideranças para as presidenciais de 2015". Já o Executivo, disse Labaqui, "enfrentará um cenário econômico externo e interno menos favorável e, em consequência, o desafio de continuar mostrando-se como um governo progressista, que distribui riqueza, dispondo de menos recursos". De acordo com dados da Associação Argentina de Orçamento e Administração Financeira (ASAP), nos primeiros nove meses deste ano os subsídios concedidos pelo governo para setores como energia e transporte atingiram cerca de US$12 bilhões, o que representa um aumento de 158% em relação ao mesmo período do ano passado. Já os programas sociais chegaram a US$7,5 bilhões, crescendo 16% em relação a 2010.

Desaceleração do Brasil pode trazer dificuldades

O ministro da Economia e companheiro de chapa da presidente, Amado Boudou, apresentou projeto de orçamento para 2012 e fez questão de dizer que tratava-se do "orçamento do não ajuste". No entanto, muitos economistas começaram a alertar sobre a possibilidade de dificuldades econômicas no curto e médio prazo.

- Temos um contexto global em crise, o Brasil, nosso principal sócio, desacelerando seu crescimento e até mesmo a China está comprando menos - argumenta Labaqui.

A Casa Rosada, no entanto, tem se mostrado pouco preocupada com a situação mundial. Nas propagandas, a presidente referiu-se às turbulências externas e assegurou que "vemos que o mundo está mal e nos preocupamos, é normal, não podemos viver desconectados do resto... mas temos de cuidar de nosso mundo, sem depender tanto do que está fora dele... para nós o primeiro mundo deve ser sempre a Argentina". Durante a campanha, a chefe de Estado chegou a dizer que os indignados espanhóis exigem de seu governo o que já foi feito pela Argentina.

A Casa Rosada evita falar em crise ou até mesmo na remota possibilidade de uma redução do crescimento, insiste em defender as estatísticas do Indec (o IBGE argentino), que projeta uma taxa de inflação três vezes menor que os cerca de 30% calculados por economistas privados, e jamais menciona a palavra ajuste.

A realidade é, para muitos, bem diferente.

- Depois da eleição, a questão econômica será central - afirmou Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos Nova Maioria.

Para ele, "com uma economia passando por uma etapa mais complicada nos próximos meses, a incógnita que temos hoje é saber quem conseguirá transformar-se em líder da oposição". Os nomes atualmente mais cotados para assumir esta posição são os do prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, e do candidato à Presidência da FAP, Hermes Binner, que provavelmente ficará em segundo lugar hoje.

A partir de amanhã, disse Labaqui, o país pode ter um governo que aprofundará sua disputa com meios de comunicação, opositores e será mais autoritário, protecionista e intervencionista em matéria econômica. O vice-ministro da Economia, Roberto Feletti, afirmou que "o populismo deveria radicalizar-se". O mesmo completou: "Vencida a batalha cultural contra os meios (de comunicação) e com um possível triunfo eleitoral no horizonte, não se tem limites".