Título: Sem fiscalização, trabalho escravo resiste no Brasil
Autor:
Fonte: O Globo, 27/10/2011, Economia, p. 31

Estudo aponta causas da alta reincidência do problema no país

BRASÍLIA. Metade das denúncias de trabalho escravo no Brasil encaminhadas ao governo pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) não é apurada. Isso comprova que fiscalização e investigação insuficientes são os principais problemas estruturais que facilitam a perpetuação deste tipo de situação no país, avalia o antropólogo Ricardo Resende, coordenador do grupo de pesquisa sobre trabalho escravo da UFRJ. Muitas vezes, diz ele, a fiscalização chega quando a empreitada (contratação temporária de trabalhadores) já acabou.

Na terça-feira, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou um perfil do trabalhador escravo com base nos depoimentos de 121 pessoas resgatadas entre 2006 e 2007. O estudo aponta alta taxa de reincidência, limitação da ajuda do programa Bolsa Família no combate à prática, baixíssima escolaridade das vítimas e deficiência da fiscalização.

- Estima-se que para cada um trabalhador libertado pela fiscalização, devem existir sete trabalhando em condições análogas à escravidão - diz Resende.

Para ele, o Bolsa Família é um instrumento importante para combater a fome e as necessidades imediatas de uma família. Porém, o programa não foi desenhado para atacar as causas estruturais do trabalho escravo, como a falta de geração de oportunidades econômicas aos trabalhadores:

- Sou totalmente favorável ao Bolsa Família, porque quando tem alguém com fome, você dá comida. Mas essa é uma solução temporária.

Ele sugere que as políticas do governo para erradicar o trabalho escravo deem tratamento diferente aos trabalhadores, sobretudo nos estados com maior incidência do problema. Quem tem vocação para trabalhar nas áreas urbanas precisa de cursos de capacitação, segundo a demanda local. Quem tem vocação camponesa, precisa de acesso à terra, diz o antropólogo:

- E aí é fundamental fazer a reforma agrária, que não está nos planos desse governo.

Para governo, Bolsa Família reduz vulnerabilidade

Resende, porém, elogia iniciativas do governo, como a criação da lista suja. É por meio delas que os empregadores acusados perdem o acesso a crédito em bancos públicos.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) respondeu, em nota, ao estudo da OIT, que diz que o Bolsa Família é insuficiente para evitar o trabalho escravo no Brasil. Segundo o texto, foi iniciativa da pasta negociar com o Ministério do Trabalho a ampliação do Bolsa Família aos trabalhadores libertados, para reduzir sua vulnerabilidade:

"Com esse atendimento essas famílias se tornam visíveis para o governo e podem ter acesso a outras ações, impedindo que elas fiquem vulneráveis a situações de empregos degradantes novamente." (Geralda Doca)