Título: Conquistas, mas em meio a loteamento e tapioca
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 27/10/2011, O País, p. 10

Escolha do país como sede da Copa acabou expondo problemas na pasta, que virara feudo do PCdoB

BRASÍLIA e RIO. Ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Orlando Silva de Jesus Júnior, de 40 anos, ficou cinco anos e meio à frente do Ministério do Esporte. Nomeado ministro em abril de 2006, viu a pasta ganhar importância a partir do ano seguinte, quando o Brasil foi confirmado como sede da Copa do Mundo de 2014. Em 2009, o Rio ganhou a disputa para sediar os Jogos Olímpicos de 2016, o que elevou ainda mais o status do ministério. No entanto, no plano interno, Orlando Silva acumulou acusações de aparelhamento em benefício de seu partido, o PCdoB, que comanda o ministério desde a sua criação, em 2003, no primeiro governo Lula: primeiro, com Agnelo Queiroz (hoje no PT e governador do Distrito Federal), e depois com Orlando Silva.

Convênios do Esporte foram direcionados a ONGs de filiados do PCdoB. Em 2009 e 2010, tirando o Comitê Olímpico Brasileiro, as entidades que mais receberam verbas tinham comunistas na direção. Em 2009, Campinas, cidade cujo secretário de Esporte é Gustavo Petta - outro ex-presidente da UNE e cunhado de Orlando - liderou a lista de municípios com mais repasses.

Quando recebeu o convite para comandar a pasta, Orlando ocupava o cargo de secretário-executivo - o segundo mais importante na hierarquia da pasta. Em 2007, ele acabou sendo envolvido no escândalo do mau uso dos cartões corporativos. Ao comer tapioca numa lanchonete de Brasília, usou o cartão com brasão da República para pagar a conta de R$8,30. A Controladoria Geral da União (CGU) concluiu que Orlando gastara irregularmente R$8,4 mil. Ele devolveu o dinheiro.

Em 2009, Orlando também virou alvo de críticas ao propor a criação de uma carteira de identificação de torcedores de futebol. A iniciativa foi abandonada.

Durante a gestão de Orlando Silva não faltaram denúncias de superfaturamento nos Jogos Pan-Americanos do Rio, em 2007. O Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que até os preços de furadeiras teriam sido superestimados. O orçamento da pasta também cresceu. Mecanismos como a Lei de Incentivo ao Esporte, a Lei Agnelo/Piva, que destinou dinheiro das loterias federais, e patrocínios de estatais fizeram crescer o bolo.

O Segundo Tempo, alvo das denúncias que derrubaram Orlando Silva, atendia 50 mil jovens em 2002, quando se chamava Esporte Solidário. Em 2010, o programa já se aproximava de um milhão de estudantes. No cenário olímpico, o Brasil retrocedeu, pelo menos no ranking de medalhas: foram menos triunfos nas Olimpíadas de Pequim, em 2008, do que em Atenas, em 2004.

Na transição de governo, no fim de 2010, a então presidente eleita Dilma manifestou ao PCdoB seu desejo de pôr no Esporte a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE). O partido não gostou da ideia, buscando apoio para a permanência de Orlando com o ainda presidente Lula, que desejava manter seu ministro no posto. Contrariada, Dilma acabou aceitando a indicação partidária e manteve Orlando na sua equipe.

Com a convivência diária, a presidente passou a gostar do empenho e da atuação de Orlando. Mas logo a relação começou a se complicar. Os problemas do ministro com a presidente começaram durante o processo de discussão e votação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas para a Copa e as Olimpíadas.

A Câmara retirou do texto o dispositivo que dava superpoderes à Fifa e ao Comitê Olímpico Internacional (COI) nas obras. O texto permitia que Fifa e COI apresentassem propostas de alterações nas obras (aditivos), a qualquer momento, sem limite de preço. O texto, que tinha o aval do Ministério do Esporte, irritou a presidente, que concordou com as ponderações de aliados e, em especial, da oposição. O item permitia que a Fifa fizesse pedidos, a qualquer tempo, de novas obras e sem limite de preços, como determina a Lei 8.666, a lei brasileira de licitações públicas.

Na ocasião, Orlando mantinha boa relação com a Fifa e a CBF. Durante esse debate político no Congresso, parlamentares disseram que Orlando resistiu a mudar o texto, mas acabou sendo enquadrado. Tanto que, um dia após essa mudança, em visita ao Senado, o ministro fez questão de dizer que tinha concordado e até ajudado a sugerir a mudança, e que a Fifa não devia ter "superpoderes". Ao adotar discurso alinhado com o de Dilma, ele passou a ser visto pela Fifa como um fator complicador nas negociações. Para a entidade, Orlando "politizava" demais várias questões relativas à organização da Copa.

O ministro foi mantido à frente de todas as ações do ministério em relação à Copa, mas com um controle do Planalto. Oficialmente foi nomeado pela presidente como coordenador do GCopa (Comitê Gestor da Copa 2014). Mas Dilma designou a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para acompanhar de perto esse grupo de trabalho.