Título: Cristina sem limites
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 25/10/2011, O Mundo, p. 31

Com o controle do Congresso, cresce temor de que presidente mude lei para permanecer no poder

Avitória avassaladora da presidente Cristina Kirchner, que derrotou seus adversários em 23 das 24 províncias argentinas, poderia abrir caminho para que avance com projetos polêmicos, entre eles, uma reforma constitucional que incluiria a possibilidade de reeleição indefinida, como fez seu marido e antecessor, Néstor Kirchner, quando era governador da província de Santa Cruz. Cristina foi reeleita com 53,9% dos votos, sendo a mais votada mesmo na província de Santa Fe, governada pelo socialista Hermes Binner, que ficou em segundo lugar com 16,8%, e na cidade de Buenos Aires, em poder do opositor Mauricio Macri, reeleito em julho passado com 66% dos votos. Ela foi derrotada apenas na província de San Luis, onde venceu o atual governador Alberto Rodríguez Saá, que ficou em quarto lugar na corrida pela Presidência (7,98%). A eleição legislativa também foi amplamente favorável à presidente, que a partir de dezembro controlará ambas as câmaras do Congresso e poderia, segundo analistas ouvidos pelo GLOBO, avançar com uma reforma do sistema político.

Para reformar a Constituição nacional, possibilidade que a Casa Rosada negou durante a campanha eleitoral, o Executivo precisaria contar com o apoio de dois terços do Congresso. Hoje, Cristina não controla tantos parlamentares. No entanto, na visão de Mariel Fornoni, da empresa de consultoria Management and Fit, "com o poder que tem neste momento, a presidente poderia, tranquilamente, conseguir os votos necessários". Um dos possíveis aliados do governo poderia ser o próprio Hermes Binner, que ficou em segundo lugar com cerca de 17% dos votos. O líder socialista, que até dezembro governa a província de Santa Fe, disse que tratava-se de uma "discussão de outra galáxia", mas mostrou-se favorável a uma reforma constitucional. Sua única objeção, por enquanto, é a reeleição indefinida. Ontem, Binner assegurou que representará "uma oposição responsável".

- Cristina poderia implementar um sistema parlamentar, no qual seria a primeira-ministra - afirmou Fornoni.

De fato, nos últimos anos circularam intensas versões sobre a intenção da presidente de modificar o sistema político. Cristina estaria sendo assessorada por Eugenio Zaffaroni, membro da Corte Suprema de Justiça designado nos primeiros anos de governo Kirchner. Zaffaroni é um jurista de trajetória reconhecida, escreveu livros sobre o assunto e costuma participar de seminários sobre parlamentarismo.

Economistas temem maior intervenção

A enfraquecida oposição argentina não teria, em princípio, capacidade para impedir uma eventual reforma. A eleição deixou como saldo uma oposição fragmentada, desnorteada e, em alguns casos, mergulhada numa crise que poderia ser terminal. O único candidato que teve motivos para comemorar foi Binner, a surpresa eleitoral de 2011. A deputada Elisa Carrió (1,8%) e o ex-presidente Eduardo Duhalde (5,8%) são considerados praticamente cadáveres políticos. Já o deputado Ricardo Alfonsín (11,1%) que ficou em terceiro lugar, continua no comando da União Cívica Radical (UCR), um dos partidos mais antigos e tradicionais do país, mas deixou de ser a grande promessa da política.

Além do Congresso, Cristina continuará tendo forte poder entre os membros do Judiciário, que nos últimos oito anos evitaram avançar em processos contra o governo, seus aliados, colaboradores e ex-funcionários.

- Ainda não está claro se esta presidente tão poderosa permitirá que a Justiça volte a ser um mecanismo de controle republicano - afirmou a analista política Graciela Romer.

Economistas locais acreditam que o risco de uma maior intervenção do governo na economia é grande.

- O governo poderia, entre outras medidas, aumentar o controle no mercado cambial para impedir que a compra de dólares continue aumentando - explicou Soledad Pérez Duhalde, da Abeceb.com.

Entre janeiro e setembro, os argentinos compraram US$18,5 bilhões. Parte do montante foi parar debaixo do colchão e outra foi depositada em contas ou guardada em cofres bancários. Apesar de terem certeza sobre a continuidade do governo - a vitória da oposição jamais foi uma possibilidade real - muitos têm medo do futuro e por isso decidem refugiar-se no dólar. Para conter a tendência, só na semana passada o Banco Central injetou US$700 milhões no mercado.