Título: Deflação não chega ao bolso
Autor: Verdini, Liana; Gonçalves, Daniel
Fonte: Correio Braziliense, 29/08/2009, Economia, p. 25

Na sétima taxa negativa, IGP-M fecha agosto em -0,36%. O recuo, no entanto, não alivia o orçamento das famílias

Léia, dona de casa: ¿Depois do dia 10, quando o funcionário público recebe, os preços caem¿

O índice que reajusta os aluguéis, o IGP-M(1), registrou a sétima deflação neste ano. Em agosto, o índice ficou negativo em 0,36%, acumulando queda de 2,02% nos oito meses de 2009, de acordo com os dados da Fundação Getulio Vargas (FGV). No período de 12 meses, a deflação é de 0,71%. A despeito desse movimento de recuo, o consumidor não sente alívio no bolso.

É o que afirma o cobrador Ronaldo Liberato da Silva. Casado, pai de três filhos, ele não se furta de acompanhar a mulher ao supermercado. ¿O que dá pra perceber é que todo mês as coisas estão ficando mais caras. Nunca o dinheiro que gastei em um mês é suficiente para as compras do seguinte. Tenho sempre que completar¿, assegura. Já a dona de casa Arlete Lemos tenta esticar o salário do marido fazendo pesquisa de mercado. Acompanhada da filha Juliana, de 16 anos, que empunhava uma calculadora, Arlete já havia passado em dois outros supermercados antes de fazer sua compra. ¿Os produtos estão cada vez mais caros. E mais: não há muita diferença de preços entre os supermercados das grandes redes. Às vezes, os mercados menores têm melhores preços.¿

Concorda com ela a funcionária da Caixa Seguros Léia Souza Guimarães, que também tem o hábito de pesquisar os preços em diversos mercados, grandes e menores. Tudo para fazer render os recursos destinados à manutenção da casa e à alimentação da família. Casada, com uma filha e grávida, Léia chegou à conclusão que os produtos de limpeza estão com os preços mais estáveis do que os produtos alimentícios. Outra constatação é que no fim do mês os produtos estão sempre mais caros. ¿Depois do dia 10, quando o funcionário público recebe, os preços caem.¿

Serviços

A explicação para isto está na composição do próprio IGP. Desde março, o Índice de Preços no Atacado (IPA) tem sido negativo, fenômeno que voltou a ocorrer em agosto, com queda de 0,61%. Os preços agrícolas no atacado continuaram caindo, agora em ritmo um pouco menor, em 1,23% ante 1,89% no mês passado. O mesmo movimento ocorreu com o IPA industrial, com queda de 0,41% em agosto, ante baixa de 0,49% em julho.

Mas os preços ao consumidor não estão recuando na mesma proporção do que ocorre no atacado. Desde janeiro o IPC é positivo. Em agosto, este índice subiu 0,16%, abaixo da alta de 0,34% de julho. Mas se os preços caem no atacado, por que essa redução não chega ao bolso do consumidor?

De acordo com o economista Salomão Quadros, coordenador de Análises Econômicas da FGV, o que explica comportamento tão desfavorável ao cidadão comum que compra no varejo é o perfil dos produtos que caem no atacado e que resistem a baixar de preço no IPC. ¿Os preços agrícolas de fato estão caindo no atacado e alguns deles também estão baixando ao consumidor¿, explica ele. ¿Mas o que vem influenciando a deflação do IPA são as matérias-primas industriais e os materiais para manufatura.¿ Por outro lado, nos itens ao consumidor, Quadros frisa que os mais difíceis de baixar os preços são os serviços. ¿Este é um componente pesado do IPC e tem registrado aumento nos valores cobrados.¿

1 - Composição Os índices Gerais de Preços (IGPs) registram a inflação de preços, desde matérias-primas agrícolas e industriais até bens e serviços finais. Apurados pela Fundação Getulio Vargas (FGV), os IGPs são constituídos pelo Índice de Preços por Atacado (IPA), cujo resultado corresponde a 60% da taxa final; pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%; e pelo Índice Nacional de Custos da Construção (INCC), com ponderação de 10%. O IGP-M captura o valor dos produtos entre os dias 21 de um mês e 20 do mês de referência.