Título: Lula evita usar voz e começa tratamento hoje
Autor: Farah, Tatiana
Fonte: O Globo, 31/10/2011, O País, p. 5

Após receber notícia do câncer na laringe, ex-presidente, com bom-humor, revelou receio de estar careca no carnaval

SÃO BERNARDO DO CAMPO (SP). Passado o choque do diagnóstico, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva viveu ontem um dia de ansiedade, à espera da internação e do início do tratamento contra o câncer de laringe que começa hoje pela manhã. Evitou os amigos, mesmo os mais íntimos, e cercou-se da mulher, Marisa Letícia, dos filhos e dos netos. Não perdeu o bom-humor e as tiradas que marcam sua trajetória. No sábado, ao ter a confirmação de que o tratamento contra o câncer pode fazê-lo perder o cabelo e a barba, reclamou, lembrando que terá em fevereiro, no carnaval, um compromisso inadiável: o desfile da escola de samba Gaviões da Fiel, do Corinthians, seu time do coração.

Recluso, Lula evitou até a varanda do apartamento, de onde sempre vê o movimento na rua e na quadra de futebol ao lado do prédio. Sua única aparição foi num relance, flagrado pelos fotógrafos, em que ele brincava com o neto Pedro, de um ano de dois meses. A única visita foi a do médico, o cardiologista Roberto Kalil, que disse que Lula está animado para o tratamento.

Para a primeira sessão de quimioterapia, os médicos decidiram que o ex-presidente ficará uma noite internado e deve ter alta amanhã. Lula passará por três ciclos de medicação, combinando quimioterapia e radioterapia, com intervalo de 20 dias entre eles.

Na saída do apartamento em São Bernardo, Kalil deu entrevista a pedido do próprio Lula, que, segundo o médico, quer transparência total sobre seu estado de saúde.

- Em nenhum momento percebi que ele esteja temeroso com nada. É um ser humano antes de ser a pessoa pública que é, mas está tranquilo. É claro que ficou assustado.

Lula recebeu o diagnóstico de câncer na laringe com o susto de quem já sofreu com essa doença na família. Sua mãe, dona Lindu, morreu em um hospital público com câncer de útero. Em junho, a irmã mais velha de Lula, Marinete, morreu de câncer no pulmão. Um de seus irmãos, Jaime, teve um tumor na laringe semelhante ao que o ex-presidente enfrenta agora e curou-se. O médico que tratou Jaime faz parte da equipe que cuidará do ex-presidente. É o oncologista Luiz Paulo Kowalski. Para Kalil, esse passado famíliar pode, sim, ter influenciado no desenvolvimento da doença.

Os médicos não garantiram a permanência da cabeleira ou da barba durante o tratamento contra o câncer, mas asseguraram a Lula que, pelo menos até agora, a doença não dá sinais de que vá afetar sua voz. Mas o diagnóstico caiu como uma bomba, e o ex-presidente chegou a levar broncas de Marisa e do cardiologista por ter demorado a fazer um check-up.

- Dona Marisa está tranquila, ela é o braço forte. Quem manda é ela, e acabou - disse o médico.

Ontem, amigos que participaram da festa de aniversário de Lula tentavam lembrar se o ex-presidente estava mais rouco do que o habitual. Concluíram que a rouquidão o incomodava mais do que a percepção podia alcançar. Líderes petistas decidiram deixar que Lula descansasse em casa apenas com a família, sem falar muito, já que a biopsia feita anteontem prejudicou ainda mais sua voz.

Amigo de Lula há mais de 40 anos, o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) contou ter conversado com a família pelo telefone, mas evitou falar com Lula para poupá-lo. Ele se lembrou dos parentes que Lula já perdeu para o câncer, mas afirmou que "no Brasil, não há família que não tenha uma pessoa com a doença".

- Acho que ele é forte. Lula encara a vida como ela é. Está cercado de bons médicos e deverá fazer como Dilma, que encarou a doença com tranquilidade, e como Alencar, que enfrentou tudo com coragem.