Título: Europa serve de alerta
Autor:
Fonte: O Globo, 31/10/2011, Opinião, p. 6

A população do planeta acaba de atingir a casa de 7 bilhões de habitantes, segundo estimativas das Nações Unidas, mas o Brasil já não é um dos responsáveis por esse crescimento demográfico. O censo de 2010 comprovou que a taxa de aumento populacional no país está mesmo diminuindo, situando-se em torno de 1% ao ano.

As projeções variam quanto ao ponto de inflexão na curva da população do país, mas é bem provável que ocorra entre 2030 e 2040, sem que tenha chegado a atingir 220 milhões de pessoas (talvez a barreira de 200 milhões seja alcançada na segunda metade desta década).

Esse ponto de inflexão, quando a população começará a diminuir lentamente, coincidirá com outro fenômeno: o número de idosos (mais de 65 anos, pelos conceitos atuais) terá superado o de crianças.

Serão muitas as implicações desse futuro perfil demográfico no cotidiano da população, o que exigirá mudanças substanciais nas políticas públicas. Algumas delas terão que ocorrer de imediato, como é o caso da previdência social, cujas regras se baseiam em um perfil demográfico que não condiz mais com a realidade, causando distorções que só tendem a se agravar com o passar dos anos.

Enquanto os países de economia avançada têm ajustado a idade mínima das aposentadorias ao aumento da expectativa de vida dos seus cidadãos, no Brasil nem se estabeleceu esse piso no regime geral da previdência (INSS). Isso faz com que o número de aposentados e pensionistas que se aposentam por tempo de contribuição (35 anos para os homens e 30 anos para as mulheres) cresça em termos absolutos e relativos. Do contingente que se aposentou em 2010, a idade média dos homens foi de 54 anos, e das mulheres, 51. Ambos muito jovens do ponto de vista de um sistema de previdência. Não fosse o fator previdenciário, que ajusta o valor das aposentadorias ao total de anos prováveis de pagamento (conforme a expectativa média de vida da população), o déficit da previdência no regime geral seria bem maior que os R$40 bilhões anuais por ora registrados.

Muitas pessoas que se aposentam precocemente por tempo de contribuição continuam no mercado de trabalho. Os benefícios do INSS são vistos como complemento de renda, de modo que o redutor do valor da aposentadoria decorrente do fator previdenciário não chega a inibi-los.

Como a aposentadoria é irreversível, ao continuarem no mercado de trabalho tais aposentados permanecem contribuindo para a previdência sem que isso lhes proporcione benefícios futuros. E a soma dos rendimentos pode levá-los a recolher mais Imposto de Renda. O grau de arrependimento é traduzido pelo elevado número de tentativas de "desaposentadoria" por via judicial, já na casa de centenas de milhares.

Para se evitar essa confusão, as regras da previdência social precisam ser atualizadas, incluindo uma idade mínima (ajustável, conforme o aumento da expectativa de vida) para aposentadorias, além do tempo de contribuição. Pensões por viuvez deveriam considerar certas questões (idade dos pensionistas, existência de filhos e dependentes menores etc.).

Sem esse tipo de mudança, a previdência social será uma fonte permanente de problemas, uma ameaça constante às finanças públicas. A grave crise pelo qual vêm passando países europeus, na qual tem se sobressaído o déficit de seus sistemas de previdência, deve servir de alerta para o Brasil.