Título: As chances de cura aumentam e muito
Autor:
Fonte: O Globo, 31/10/2011, O País, p. 9
Médico que atendeu Lula há quatro meses, no Rio, diz que ele não tinha sintomas e que o câncer é recente
BRASÍLIA. Quatro meses depois de ter atendido, em caráter emergencial, o ex-presidente Lula, que se queixava de fortes dores de ouvido, o médico Jair de Castro, considerado um dos melhores otorrinolaringologistas do país, informa que, por Lula não ter reclamado, na oportunidade, de outros sintomas típicos do câncer de laringe, a doença deve estar, felizmente, em sua fase inicial:
- Nesse caso, as chances de cura aumentam e muito.
Lula, que não pôde inaugurar como presidente o hospital com o nome da sua mãe, Dona Lindu, no interior do Rio, sentiu-se mal logo depois da visita que fez ao local, com o governador Sérgio Cabral.
"Cabral, não estou aguentando mais!", reclamou Lula na ocasião. Cabral, então, levou Lula à clínica de Castro, chefe do serviço de otorrinolaringologia da Santa Casa da Misericórdia do Rio.
Jorge Bastos Moreno
Há cerca de três meses, o senhor atendeu o ex-presidente Lula. Como foi?
JAIR DE CASTRO: O presidente Lula veio ao Rio, a convite do governador Sérgio Cabral, participar de inaugurações e visitar o hospital Dona Lindu, em Paraíba do Sul. No retorno, apresentou dor de ouvido, decorrente de barotrauma que ocorre em virtude de mudança de pressão atmosférica ou em vigência de resfriado, alergia nasal e ou estado gripal. Na consulta, ele não fez referência a dores de garganta, à rouquidão e a outras alterações relacionadas à especialidade, relatando apenas forte dor de ouvido e congestão nasal. Foi medicado e, no outro dia, seguiu para seus compromissos.
A doença dele é comum?
CASTRO: O câncer de laringe é responsável por 2% de todos os cânceres e, aproximadamente, 25% dos cânceres de cabeça e pescoço. Estima-se que em torno de oito mil novos casos aparecem no Brasil a cada ano, e, de modo não formalizado, pensa-se em dez mil novos casos a cada ano, aí contando, infelizmente, os que ficam sem diagnóstico ou não entraram nas estatísticas oficiais.
Qual o perfil dos doentes?
CASTRO: Este tipo de lesão tumoral acomete mais os pacientes do sexo masculino, entre 50 e 65 anos, e tem forte relação com o uso de tabaco, álcool ou ambos e presença de refluxo gastroesofageano. Pode estar relacionado a fatores genéticos - no caso de câncer de via digestiva, em parentes de primeiro grau a incidência aumenta mais ainda. As estatísticas mostram que a proporção aumenta em mulheres pelos mesmos motivos dos pacientes masculinos: cigarro e álcool.
Quais os sintomas?
CASTRO: Os sintomas principais do câncer de laringe são rouquidão que não melhora, dores de garganta, tosse, constrição na garganta e dificuldade para engolir. No caso do Lula, a decisão de procurar atendimento foi por dor e rouquidão. Toda rouquidão acima de três a quatro semanas impõe o exame das cordas vocais.
Qual a função da laringe?
CASTRO: A laringe não tem apenas a função da fonação e voz, mas é muito importante na proteção das vias aéreas inferiores e impede que líquidos e alimentos sólidos atinjam traqueia e pulmões.
E as cordas vocais?
CASTRO: As cordas vocais estão localizadas na região glótica e, acima dela, temos a supraglote, que corresponde à parte que vai do final da base da língua até próximo às cordas vocais. Nesta região, o sinal mais importante é a dor e, na região glótica, a rouquidão. Na região da infraglote, a queixa é de dificuldade respiratória. Se situa abaixo das cordas vocais verdadeiras, indo em direção à traqueia.
Qual desses casos se aplica ao do ex-presidente Lula?
CASTRO: A lesão é de supraglote e tem de dois a três centímetros. Explica a queixa de dor de duas semanas para cá, associada à rouquidão.
Confirmado o diagnóstico, quais as providências?
CASTRO: Fechado o diagnóstico, é feita a avaliação clínica, que inclui a palpação do pescoço à procura de gânglios ou massas, e a videolaringoscopia. E, se for observada lesão tumoral, esta deve ser biopsiada (remoção de fragmento para análise) a fim de definir o tipo do tumor. Com os dados, checa-se o que chamamos de estadiamento do tumor: tamanho, localização, presença de gânglios comprometidos e possível disseminação da doença para outros locais (metástase). De posse dos dados, faz-se o protocolo de tratamento, que inclui cirurgia, radioterapia e quimioterapia.
Por que, no caso de Lula, optaram pela quimioterapia?
CASTRO: A decisão está relacionada ao protocolo de preservação de órgão e, conforme sabemos, o paciente em questão tem na voz a sua maneira principal de se comunicar. Temos certeza de que a equipe agiu, primeiramente, no sentido de dar o melhor tratamento e não apenas pensando em necessidades pessoais. A doença é soberana e ela define a conduta terapêutica que dever ser seguida, de acordo com os protocolos nacionais e internacionais.
Família e amigos ajudam nessas horas?
CASTRO: A ajuda da família é importante, até para conversar com o paciente claramente, explicando passo a passo as informações dos exames e as etapas da terapia.
Como deverá ser a conduta médica no caso de Lula?
CASTRO: A conduta para este tipo de tumor é a cirurgia, radioterapia e quimioterapia. A sequência dependerá de estudo detalhado das informações dos exames, do estado geral do paciente e do grau da doença. Quanto mais precoce, melhor o prognóstico. Temos, ao que parece, uma história recente, e as medidas tomadas, falando de modo geral, sem detalhes específicos do caso, levam a grandes possibilidades de cura. Na avaliação feita em nossa clínica, não havia qualquer queixa na área de deglutição e voz e dores na parte da faringe e da laringe.
É uma doença curável?
CASTRO: O prognóstico para o câncer de laringe é bom, podendo ocorrer cura em número expressivo de pacientes. Após o tratamento, ele seguirá com os controles periódicos por pelo menos cinco anos. Depois desse período, será estabelecido de quanto em quanto tempo deverá ser feito o retorno para controle. E o hábito do tabaco e do álcool terá que ser abolido.