Título: Argentina rejeita 80% das operações cambiais
Autor: Figueiredo, Janaína
Fonte: O Globo, 02/11/2011, Economia, p. 23

População não está conseguindo comprar dólar. Intervenção gerou medo e muitos retiraram depósitos em moeda estrangeira

BUENOS AIRES. Apesar de o ministro da Economia e vice-presidente eleito da Argentina, Amado Boudou, ter assegurado que "nada mudou em relação à possibilidade de comprar dólares", nos dois primeiros dias de vigência dos novos controles impostos pelo governo, a Afip (Receita Federal local) rejeitou operações que, segundo fontes do mercado, estavam plenamente justificadas. Na segunda-feira, 80% das operações teriam sido negadas pela Afip. Além disso, a inesperada intervenção da Casa Rosada no mercado cambial provocou um clima de nervosismo e, de acordo com as fontes, levou muitos argentinos a retirarem depósitos em dólar. Para analistas, não se trata, ainda, de uma corrida, mas sim de uma perigosa tendência "alimentada pelo medo instalado entre a população".

Num clima cada vez mais incerto e tenso, ontem o dólar oficial fechou em 4,27 pesos - depois de vários dias a 4,26 - e o Banco Central injetou US$30 milhões no mercado. No paralelo, a cotação chegou a 4,80.

- Os banqueiros estão preocupados e consideram absolutamente desnecessária a intervenção do governo - disse uma fonte de um banco estrangeiro.

Segundo a fonte, "o mais grave é que o Executivo criou a sensação de que o peso deixará de ser uma moeda conversível, como em China e Venezuela". Levadas por este medo, "as pessoas estão sacando depósitos em dólares dos bancos".

Quem tenta vender dólares não está enfrentando grandes dificuldades. Em alguns casos, por haver um pouco de demora em filas ou por não encontrar uma casa de câmbio que esteja operando normalmente. Muitas instituições ainda estão se adaptando ao sistema da Afip e do Banco Central, que exige documentos tributários e avalia a situação patrimonial de cada um antes de autorizar ou não a compra de moeda estrangeira.

"Governo faz o impossível para gerar desconfiança"

Fontes do mercado estimam que pelo menos oito de cada dez operações foram negadas segunda-feira pela Afip. Ontem, foi um pouco melhor, mas as tentativas de compras não autorizadas ainda foram numerosas e afetaram, sobretudo, clientes que fariam pequenas compras de dólares. O economista e professor da Universidade Nacional de Buenos Aires Eduardo Levy Yeyati, por exemplo, não conseguiu sequer US$1.

- O principal risco destas medidas é provocar temor e arrastar o país para uma crise que não existia - disse Levy Yeyati, que em 2002, ano de crise na Argentina, trabalhava no Banco Central. - Vi uma corrida de perto, e o que estávamos vivendo antes desta intervenção não era uma corrida ao dólar e não justificava as medidas.

Para ele e para muitos outros economistas, a Casa Rosada deveria ter permitido uma leve desvalorização do peso para conter a demanda por dólares, que entre janeiro e outubro deste ano alcançou US$21 bilhões.

Em sua coluna no "La Nación", o economista Roberto Cachanosky assegurou que "aqui não existe teoria conspiratória (como assegura o governo) que pretenda gerar pânico. Existe um governo que faz o impossível para gerar desconfiança. Suas medidas conspiram contra a tranquilidade do mercado".