Título: Cimi denuncia genocídio de índios em MS
Autor: Yafusso, Paulo
Fonte: O Globo, 02/11/2011, O País, p. 12

Somente na Reserva de Dourados, a maior do estado, a proporção de assassinatos é superior à do Iraque

CAMPO GRANDE. Relatório divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) aponta a ocorrência de um genocídio indígena em Mato Grosso do Sul nos últimos oito anos. Segundo o documento, 250 índios foram assassinados nesse período, a maioria na região sul do estado, onde vivem os índios guarani/caiuá.

A dimensão da situação fica mais evidente quando se comparam os dados de Mato Grosso do Sul com os números nacionais. Conforme o Cimi, enquanto a média nacional é de 24,5 homicídios para cada cem mil pessoas, na Reserva Indígena de Dourados, a maior do estado, a proporção é de 145 assassinatos para cada grupo de cem mil habitantes. No Iraque, a média proporcional é de 93 mortes para cada cem mil moradores.

Mortes decorrem de conflitos agrários

O levantamento mostra ainda que o Mato Grosso do Sul lidera o número de assassinatos de indígenas. Em 2007, 70% dos casos registrados no Brasil foram em Mato Grosso do Sul - 42 assassinatos contra os 18 computados nos demais estados. No total, 55% dos homicídios foram de índios das etnias que vivem em Mato Grosso do Sul, 250 no estado e 202 no restante do país.

A situação não é diferente quando se trata de tentativas de assassinato. Enquanto no período de 2003 a 2010, foram 190 em Mato Grosso do Sul, nas demais regiões do Brasil foram 111. Nos primeiros nove meses deste ano, 27 dos 38 indígenas mortos violentamente no Brasil são sul-mato-grossenses, o que corresponde a 71% dos casos.

Para Flávio Vicente Machado, coordenador estadual do Cimi, instituição ligada à Igreja Católica, a explicação para esse quadro de violência é o conflito agrário. São lideranças indígenas sendo mortas na luta pela terra contra os fazendeiros, e moradores comuns das aldeias sendo assassinados em conflitos internos. Vivem em Mato Grosso do Sul cerca de 75 mil índios, a segunda maior população indígena do país. O estado é superado apenas pelo Amazonas.

- Aqui, os índios ocupam pouco mais de 0,2% do território estadual. Só na Reserva de Dourados são 15 mil vivendo em 3,3 mil hectares. Confinados, os índios não conseguem se movimentar para outras regiões, para evitar brigas com outras famílias, e isso acaba resultando em violência interna - diz o coordenador do Cimi.

Aliado a isso, os indígenas ainda sofrem a influência dos brancos, com o aumento no número de jovens consumindo bebida alcoólica e usando drogas. Segundo Flávio Machado, cria-se ainda na comunidade o sentimento de impunidade, já que na maioria dos casos os autores acabam não sendo condenados. Ele cita como exemplo o episódio dos irmãos Genivaldo e Rolindo Vera, professores que viviam em um acampamento em Paranhos, fronteira com o Paraguai, na época em que havia um clima tenso entre os índios que ocupavam uma área e seguranças de fazendeiros.

Durante um confronto, em outubro de 2009, os dois irmãos desapareceram, e o corpo de Genivaldo foi encontrado com perfurações, boiando num rio próximo do local do conflito. Já o do irmão dele até hoje não foi encontrado, e a Polícia Federal ainda não concluiu o inquérito, que corre em segredo de justiça.

Estado concentra maior número de acampamentos

Flávio Machado cita outro número que mostra o quadro crítico da situação agrária envolvendo os indígenas de Mato Grosso do Sul. Segundo o relatório, o estado concentra o maior número de acampamentos de índios - 31 atualmente, enquanto há dois anos eram 22. São mais de 1.200 pessoas vivendo em condições sub-humanas à beira de rodovias ou sitiadas em fazendas, em barracos de lona de plástico e com dificuldade de conseguir alimento e até água.

No documento, o Cimi aponta a incapacidade do Estado brasileiro de fazer cumprir sua própria Constituição e tratados internacionais dos quais é signatário e que resguardam os direitos humanos, indígenas e territoriais.

O documento, segundo o coordenador do Cimi, será encaminhado às autoridades brasileiras e às entidades internacionais de direitos humanos que defendem as causas indígenas.

Especial para O GLOBO