Título: No ritmo da pacificação
Autor: Galdo, Rafael
Fonte: O Globo, 03/11/2011, Rio, p. 10

Berço do samba, Mangueira ganha hoje a 18ª UPP, a maior do Rio, após passar mais de quatro meses ocupada pelo Bope

"Sinto vibrando no ar, e sei que não é vã, a cor da esperança, a esperança do amanhã". Os versos de Cartola traduzem o sentimento da maioria dos moradores do Morro da Mangueira diante da inauguração, hoje à tarde, da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade, a maior do Rio. Quem vive na favela espera que a pacificação traga junto melhorias, como saneamento básico e novos projetos sociais. E se não se fala em festa para receber os PMs, pelo menos diminuíram as tensões dos primeiros dias após a ocupação do morro pelo Batalhão de Operações Especiais (Bope), em 19 de junho, quando moradores protestaram, por exemplo, contra a retirada de barraquinhas da Rua Visconde de Niterói. Foi a mais longa ocupação - quatro meses e meio - feita pela tropa de elite para a implantação de uma UPP. A demora foi devido à espera pela formação de novos PMs.

Passado o período mais crítico, a Mangueira será a 18ª UPP do Rio, chegando a 315 mil pessoas beneficiadas diretamente (ou cerca de 1,5 milhão beneficiadas indiretamente) pelo projeto de pacificação, de acordo com a Secretaria de Segurança.

No caso da Mangueira, pelo menos 20 mil moradores serão beneficiados, incluindo, além do Morro da Mangueira, as comunidades Morro do Telégrafo, Praça Candelária, Vila Miséria, Bartolomeu Gusmão, Tuiuti, Marechal Jardim e Parque Mineiros. A nova UPP - com 403 PMs, a maioria deles recém-formada - fecha o cinturão de segurança no entorno do Maracanã, palco da final da Copa do Mundo de 2014, e que já tem outras onze UPPs: São João, Macacos, São Carlos, Coroa, Turano, Prazeres, Andaraí, Salgueiro, Formiga, Borel e Providência. Agora, os desafios são a pacificação do Complexo da Maré - onde será instalada a sede do Bope - e a solução para a guerra de facções na Vila Kennedy.

Música será um trunfo da polícia

Nas proximidades do local escolhido para sediar a UPP da Mangueira, a Praça da Candelária (haverá ainda três bases de apoio, no Tuiuti, no Telégrafo e no Buraco Quente), o ritmo ontem era de tranquilidade. A aposentada Eliana de Oliveira Chagas, de 51 anos, lembrou que, assim que começou a ocupação da favela, era senso comum pensar que haveria resistências dos moradores. Mas, aos poucos, essa convivência melhorou.

- Na primeira noite de ocupação, nem dormi com medo. Felizmente, não houve problemas. Agora, as crianças podem brincar sem preocupação. Eu mesma queria que minha filha fosse uma policial da UPP - disse Eliana.

A comerciante Deise Vianna fez coro com Eliana, afirmando ter esperanças de que a UPP represente também a chegada de projetos sociais, principalmente para crianças e idosos, e em áreas como saúde e educação:

- Queremos que aqui ocorra o mesmo que no Alemão (ocupado pelo Exército), com seus programas sociais e uma economia forte.

Mesmo antes das melhorias acontecerem, no entanto, a baluarte da Estação Primeira de Mangueira Nilza Dória, de 75 anos, diz que as mudanças até agora já valeram a pena. Moradora do Riachuelo, ela afirma que, desde a ocupação do morro, ela tem ido à favela com mais sossego. E conta que, aos poucos, é resgatada a tradição de outras comunidades visitarem a Mangueira para rodas de samba e conversas nas ruas e vielas.

- Não era fácil sentar num bar com os amigos. Hoje, tenho prazer de trazê-los até aqui - disse Nilza.

A nota dissonante continua sendo o Buraco Quente, que por décadas abrigou a principal boca de fumo da Mangueira, onde até hoje vivem parentes de traficantes como o Polegar e onde estão vivas lembranças de criminosos que foram considerados benfeitores pela comunidade, como Paulo Roberto Cruz, o Beato Salu. Ali, muitos moradores evitam falar da ocupação policial. E outros chegam a afirmar que a vida piorou nos últimos meses.

- Proibiram o baile funk. Acabaram com o sustento de famílias que viviam do comércio no entorno da festa. Além disso, aumentou o número de furtos - disse uma moradora que não quis se identificar.

Para aproximar esses moradores da PM, a música será um trunfo da polícia. A começar pelo comandante da UPP local: o capitão Leonardo Nogueira, de 32 anos, percussionista formado pela Escola de Música Villa-Lobos. Já na inauguração de hoje, a Banda da PM vai tocar canções de Cartola, Beth Carvalho e Nelson Cavaquinho, entre outros. E alguns policiais-músicos darão aulas de violão para moradores.

- Vamos aproveitar as características culturais da Mangueira como um aspecto positivo para a pacificação. Antes de tudo, porém, nossa prioridade será a garantia de vida das pessoas e o resgate da cidadania. E, a partir disso, outras instituições poderão cumprir suas missões, como oferecer saúde e educação - disse o comandante, que já deu aulas num projeto da Uerj em que grande parte dos alunos era moradores da Mangueira.

Ontem, funcionários da UPP Social, que será lançada na Mangueira semana que vem, já circulavam pela favela. Até agora, a equipe já identificou as principais demandas, que serão atacadas logo nos primeiros dias: coleta de lixo, além de melhorias na iluminação pública e na conservação urbana.

A inauguração da UPP da Mangueira ocorre duas semanas depois da prisão, no Paraguai, de Alexander Mendes da Silva, o Polegar, chefe do tráfico na comunidade.

COLABOROU: Gustavo Goulart