Título: Missão impossível
Autor: Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 03/11/2011, Economia, p. 18

Cada dia que passa até o fim de dezembro,quando o Orçamentode 2012 será votado pelo Congresso, é um dia importante para o futuro das contas públicas. Nesses dois meses estarão apleno vapor as discussões e orateio das verbas públicas. Os parlamentares fazendo de tudo para emplacar suas emendas. E as corporações, como o Judiciário, por exemplo, marcando homem a homem, como se fala no futebol, para ver suas demandas atendidas.

Tudo isso faz parte do processo democrático.E deve ser encarado com naturalidade. Acontece que o Orçamento é uma peça-chave na definição dos rumos da economia e do jeito que sair do Congresso ficará mais fácil, ou mais di- fícil, para o governo cumprir suas promessas de trazer a inflação para os trilhos, ou seja,para o centro da meta em dezembro de 2012.

O Banco Central tem um plano de voo para atingir esse objetivo que inclui um esforço fiscal correspondente a 3,1% do PIB. É o tamanho da economia para o pagamento de juros e equivale a R$ 139,8 bilhões. Mas não será fácil. Olhando as contas hoje é praticamente impossível, a não ser que o governo lá na frente utilize algum pulo do gato, como já fez no passado, para acomodar as contas. O primeiro entrave para cumprir a meta de superávit de 3,1% em 2012 foi colocado pela própria equipe econômica, que encaminhou ao Congresso um projeto de Orçamento descontando da meta R$ 25,6 bilhões em despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Assim, comprometeu-se em fazeruma economia de R$ 71,3 bilhões, quando o esforço necessário seria de R$ 96,9 bilhões.

Depois que oOrçamento chegou ao Congresso, cumprir ameta de 3,1% do PIB ficou ainda mais difícil. As receitas foram revistas para cima em R$ 26 bilhões, para acomodar novas despesas, e mesmo que o governo já esteja com a tesoura afiada para cortar as emendas dos parlamentares,alguns gastos que o Congresso incluirá no Orçamento são despesas obrigatórias e não poderão ser cortadas. Os recursos para estados emunicípios compensarem a desoneração de exportações, achamada Lei Kandir, é um exemplo que custa R$ 3,9 bilhões. Algum aumento para o Judiciário deve sair depois de tanta pressão sobre o Congresso, e essa conta, na melhor das hipóteses, será de R$ 1 bilhão.

Além disso, ogoverno subestimou as despesas com a Previdência em cerca de R$5 bilhões, e isso terá que ser corrigido. Tem ainda a correção do salário mínimo,que, com inflação maior, custará mais caro, e uma forte pressão para reajustar as aposentadorias acima do mínimo. Para completar,pelo lado da receita, o governo perderá pelo menos R$ 2 bilhões com a redução da Cide. Pelos cálculos de consultores que acompanham essas contas no Congresso, seria necessário um corte de R$65 bilhões nas despesas do Orçamento para cumprir a meta cheia de superávit no ano que vem, oque, na prática, não é viável. Paralisaria a máquina pública e azedaria de vez com as relações do governo Dilma com o Congresso. Assim, não é por acaso que a política fiscal em 2012 ainda é um grande ponto de interrogação para analistas e o mercado.