Título: País despenca 13 posições no índice quando desigualdade é considerada
Autor: Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 03/11/2011, Economia, p. 18

No mundo, distância social faz IDH cair 23% e, na América Latina, 26,1%

Fabiana Ribeiro, Henrique Gomes Batista e Efrém Ribeiro

RIO e TERESINA O abismo entre ricos e pobres pesa - e muito - no bem estar da população brasileira. Quando o IDH é ajustado pela desigualdade, o país perde 13 posições, ocupando a 97ª posição no ranking dos países. E, assim, o índice vai para 0,519 - redução de 27,7% sobre o indicador (0,718). Se fosse este o IDH brasileiro, o país cairia para o fim da fila do grupo de médio desenvolvimento. No ano passado, a desigualdade levou a país a perder 15 posições, com IDH perdendo 27,2%. No mundo, a desigualdade faz o IDH cair 23% e na América Latina, 26,1%. Nos países de desenvolvimento muito elevado, a perda é de 11,5%.

No Brasil, a queda acentuada do IDH se deve, especialmente, pela desigualdade na distribuição de renda - que fez o indicador cair 40,7%, mais que os 37,4% de 2010. Mas há perdas ainda em expectativa de vida (14,4%) e na educação (25,7%).

- No Brasil, a renda é mais desigualmente distribuída do que a saúde ou a educação - citou Flavio Comim, consultor do Pnud.

Apesar do indicador ruim das disparidades de renda no país, Rafael Osório, pesquisador do Ipea, lembra que houve progressos. A situação, portanto, é bem melhor do que há 15 ou 20 anos - o que mostra uma tendência, embora lenta, de evolução:

- Índices como o IDH são lentos por natureza. A melhor forma de se fazer análises são de longo prazo - disse ele.

Na China, perda por causa de desigualdade é de 22,3%

A distância entre os mais e os menos privilegiados também afeta nações com desenvolvimento muito elevado. Os EUA, por exemplo, perdem 15,3% do IDH por causa da desigualdade, perdendo 19 posições. Levando isso em conta, deixaria o quarto lugar no ranking para o 23º. A Coreia do Sul - que investe fortemente em educação - perde 16,5% do seu índice, o que faria com que perdesse 17 posições na classificação global. Outros emergentes perdem posição quando o IDH é ajustado à desigualdade. Na China, onde o crescimento econômico não derruba a desigualdade, a perda no indicador global é de 22,3. Já a Índia, a perda é de 28,3%.

De acordo com relatório, o país que mais perde com a desigualdade entre os 187 listados é a Namíbia, que vê seu IDH reduzido em 43,5% por causa dessa mazela. Na América do Sul, os mais desiguais, nessa mesma comparação, são Bolívia (com redução de 34,1% no índice) e a Colômbia (-32,5%).

- O Brasil é a sétima economia do mundo. Mas o brasileiro está em 84º lugar. O nível de desigualdade do Brasil é estupidamente alto. Mas a fotografia do país está melhorado. É como se o Brasil estivesse reescrevendo a sua história. O problema é que já tem muita coisa escrita - comparou Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Segundo a ONU, a educação é fundamental para reduzir a desigualdade. O relatório aponta que "as tendências da distribuição de oportunidades de educação mostram um estreitamento das desigualdades em todo mundo, com aumento geral das matrículas e conclusões de estudo". O estudo aponta que a crise econômica global é uma ameaça à redução da desigualdade no mundo: "transferências compensatórios ou a tributação progressiva podem atenuar a desigualdade, enquanto que o corte das transferências para reduzir os déficits orçamentários podem fazer o oposto".

Seguro-desemprego para pagar pensão e família

Um dos retratos da pobreza no Brasil se revela na casa de Cosme José de Sousa, de 30 anos. Desempregado, sobrevive da parcela do seguro-desemprego. Sua residência, em Taboca do Pau Ferrado, na zona rural de Teresina, não tem móveis, exceto televisão. No teto, palha com muito buracos, por onde entra a água da chuva.

- Estou desempregado porque não aguentava mais sair de casa à noite de bicicleta e trabalhar muito longe correndo risco de ser assaltado e assassinado - disse Cosme José, que, além de sustentar sua mulher e o enteado Felipe, paga pensão alimentícia (R$359) para os três filhos da primeira mulher.

- O que a gente sofre aqui é muito porque também estamos sem água.