Título: Pnud muda base de dados e pobreza cai no país
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 03/11/2011, Economia, p. 20

Percentual de 8,5% de pobres fica em 2,7%. Miséria atinge pelo menos um terço da população mundial. Níger é o pior

Martha Beck, Fabiana Ribeiro e Letícia Lins

BRASÍLIA, RIO e RECIFE. O Brasil tem 5,075 milhões de pessoas que vivem em situação de pobreza multidimensional, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano 2011. Esse número - que equivale a 2,7% da população do país - abrange indivíduos que, além de não terem renda, vivem sem acesso à educação ou à saúde ou em condições de vida consideradas decentes (como água, luz e saneamento, por exemplo). Para as Nações Unidas, a pobreza deve ser medida não apenas de acordo com a renda, mas com as privações que os indivíduos enfrentam para ter qualidade de vida.

Por isso, desde o ano passado, o relatório traz o chamado Índice de Pobreza Multidimensional (IPM). Por ele, é classificado como pobre qualquer indivíduo privado de pelo menos três de um total de dez indicadores considerados importantes para se ter qualidade de vida: nutrição, baixa mortalidade infantil, anos de escolaridade, crianças matriculadas em escolas, energia para cozinhar, toalete, água, eletricidade, moradia digna e renda. E quanto mais indicadores, mais grave é a situação.

Embora o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010 apontasse que 8,5% da população brasileira viviam em situação de pobreza, o indicador de 2,7% em 2011 não significa uma melhora brutal dos dados do país. Isso porque o que afetou o IPM foi uma mudança na base de dados da pesquisa. No ano passado, os números da área de saúde eram de um relatório da Organização Mundial de Saúde de 2003. Agora, os dados utilizados são os da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2006. Por isso, os números não são comparáveis.

Por esses critérios, 1,7 bilhão de pessoas em 109 países - ou um terço da população mundial - vivem em situação de pobreza. O valor é ainda maior do que o grupo de 1,3 bilhão de pessoas que vivem com US$1,25 ou menos por dia, que é a linha internacional de pobreza. De acordo com o relatório, Níger é o país com maior proporção de pessoas em pobreza multidimensional, com 92% da população nessas condições.

No caso brasileiro, quando se considera a proporção de pessoas em situação de pobreza grave (com privação em pelo menos cinco dos 10 indicadores), 375 mil indivíduos são afetados. No entanto, 13,2 milhões de pessoas se encontram numa situação vulnerável, ou seja, sofrem até três privações.

Para governo, melhoria é resultado de investimentos

No entanto, quando se considera a população que vive com menos de US$1,25 por dia no país, o percentual é bem maior: 3,8% ou 7,142 milhões de pessoas. Para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), esse quadro indica que, mesmo não tendo renda, uma parte da população pobre tem acesso a outros recursos como saúde ou educação.

Segundo Flávio Comim, consultor do Pnud, um dos maiores problemas do país passa pela renda, pela pobreza. Para ele, não existe uma incompatibilidade entre o nosso desenvolvimento econômico e humano. Mesmo assim, faz críticas:

- Mas nosso desenvolvimento econômico não é muito pró-pobre. O mercado não chega aos mais pobres entre os pobres no país. Isso significa que eles não participam dos benefícios que o crescimento econômico pode trazer em termos de melhorias na saúde e educação - diz ele, que avalia que o IPM não consegue traduzir em números a pobreza do Brasil: - O índice não traz uma síntese e, por isso, não cumpre com a sua função.

Os ganhos obtidos pelo Brasil no IDH refletem os investimentos sociais nos últimos anos, afirmou o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento Social, Rômulo Paes:

- O Brasil tem mantido o investimento social de forma consistente mesmo em momentos de menor crescimento da economia. É por isso que o país tem progredido no ranking do IDH.

Para o secretário, embora o IPM também tenha mostrado progressos, ainda está defasado e não capta fenômenos que melhoraram as condições de vida dos brasileiros nos últimos cinco anos. Os indicadores de saúde utilizados, por exemplo, são relativos a dados da Pnad de 2006, do IBGE.

- A ONU está captando um fenômeno com cinco anos de diferença. De 2006 para cá, o salário mínimo e a massa salarial cresceram com força, o que contribuiu para a redução da pobreza e da desigualdade e para o aumento da cobertura de políticas públicas - afirmou Paes, destacando que 97% das crianças entre 7 e 14 anos estão na escola.

O bairro não é muito conhecido em Recife, mas existe há pelo menos treze anos, quando chegaram as primeiras famílias. E não se trata de ocupação irregular: foi um loteamento de empresa particular. Mas os terrenos foram vendidos sem água nem luz. Até o início desse ano, as 6 mil famílias ali residentes não tinham água encanada.

- A gente morava na cidade, mas parecia que era no sertão. Vivia comprando água do carro-pipa - lembra Maurício Pedrosa, líder comunitário do bairro.

Depois de muita pressão nos órgãos públicos e a ajuda de voluntários, que cederam até máquinas, agora contam com água da Companhia de Saneamento de Pernambuco (Compesa).

- Foi muita luta, mas conseguimos - diz Maurício, enquanto rega os lírios do jardim.

Ele diz que, como a Nova Morada, pelo menos quatro outras comunidades vizinhas viviam na mesma situação. São mais de 20 mil pessoas que se beneficiam do direito nos últimos dois anos.