Título: Angela Merkel: Euro forte, com ou sem a Grécia
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 03/11/2011, Economia, p. 22

Em tom de ultimato a premier grego, líderes europeus dizem que ajuda de 8 bi ao país só será liberada após referendo. G-20 começa hoje

CANNES, França. A Grécia não vai receber mais um centavo dos europeus para escapar de afundar no buraco enquanto não der garantias de que vai cumprir o que se comprometeu a fazer: reformar profundamente o país, nas condições negociadas com os países da zona do euro. Foi o ultimato dado ontem pelo presidente Nicolas Sarkozy e a chanceler alemã Angela Merkel, depois de uma dura reunião de emergência com o primeiro-ministro grego, George Papandreou. Ele foi informado de que a parcela de 8 bilhões prometida à Grécia para este mês só será liberada depois da realização do referendo popular sobre o pacote de resgate, anunciado na segunda-feira. A votação deve ser feita no dia 4 de dezembro, afirmou o primeiro-ministro de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, após a reunião. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, por sua vez, disse que o referendo deve ser realizado nos dias 4 ou 5 de dezembro.

- Nem o Fundo Monetário Internacional nem a Europa vão repassar um centavo a mais à Grécia se os acordos não forem respeitados - disse Sarkozy.

Grécia pode quebrar sem parcela do empréstimo

A irritação de Sarkozy e Merkel com os gregos era notável não apenas no tom das declarações, como no gesto. Papandreou não foi "convidado" a se explicar às vésperas de uma reunião do G-20 (que reúne as principais economias do mundo) em Cannes: ele foi "convocado", frisou um diplomata francês. Sarkozy e Merkel disseram a Papandreou que se a Grécia tiver de partir para um referendo, "que o faça logo". O premier disse acreditar que os gregos vão optar por continuar na zona do euro.

Mas o tom de Sarkozy não tinha o mesmo otimismo:

- Não podemos dar dinheiro do contribuinte europeu, francês e alemão a partir do momento em que certas regras que foram votadas por unanimidade na reunião de cúpula de Bruxelas em 27 de outubro não sejam respeitadas - disse.

Merkel insinuou que a zona do euro está pronta para uma eventual saída da Grécia:

- Queremos que a Grécia continue, mas nosso primeiro dever é um euro estável - afirmou Merkel. - Precisamos de um euro forte, com ou sem a Grécia. O referendo é, em essência, sobre a questão de se a Grécia quer ou não ficar na zona do euro.

Inicialmente, um porta-voz do governo grego afirmou que o referendo era sobre o pacote de resgate, não sobre a permanência na zona do euro. Papandreou, no entanto, acabou cedendo às pressões.

- Acredito ser crucial que mostremos ao mundo que podemos cumprir nossas obrigações - afirmou o premier grego após a reunião. - Não se trata apenas do programa (de austeridade), mas de se queremos permanecer na zona do euro.

Os gregos esperam que a Europa libere os 8 bilhões que correspondem à sexta parcela do pacote de 110 bilhões, acertado no ano passado. Este dinheiro viria na forma de ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI) e empréstimos dos Estados europeus. Mas agora até os acionistas não europeus do FMI se opõem a liberar o dinheiro à Grécia. O dinheiro está condicionado à adoção de novas medidas de austeridade. Sua liberação estava prevista para este mês, a fim de que o governo honre seus compromissos. Sem ele, a Grécia pode quebrar.

Se a população grega responder "não" ao referendo, haverá sérias consequências, não só para a Grécia mas para o resto da Europa. Poderia levar a um calote desordenado da dívida grega, empurrar a Grécia para fora da zona do euro, derrubar vários bancos europeus e levar à economia global de volta à recessão.

Líderes europeus terão reunião de emergência hoje

A reunião de cúpula do G-20 abre oficialmente hoje com a crise grega roubando completamente a cena. Dilma Rousseff, por exemplo, reuniu-se ontem com o líder da China, Hu Jintao, mas nenhum representante do governo brasileiro falou com a imprensa. Segundo o site da Presidência, no entanto, a presidente afirmou a posição do Brasil em defender uma solução para a crise financeira internacional com crescimento e manutenção de emprego.

Sarkozy e Merkel anunciaram para hoje de manhã mais uma reunião de emergência para discutir a sorte da Grécia, com participação de Alemanha, França, Itália, Espanha, além dos dirigentes da Comissão Europeia, União Europeia, Banco Central Europeu (BCE) e FMI. Essa reunião será quase no mesmo horário que o encontro dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para discutir a pauta do G-20, que, com a crise grega, passou para segundo plano.

Sarkozy bateu forte na classe política grega - da direita à esquerda - quando lembrou que os programas de austeridade da Europa foram implementados e aceitos pelos políticos da Irlanda, Portugal, Espanha. E funcionaram.

- Por que não funcionaria na Grécia? - perguntou. - A Europa só pode ser eficaz se a classe politica está de acordo para jogar o jogo europeu.

Para o presidente francês, "a Europa é muito importante para que se brinque com suas regras".

Hoje, os ministros das finanças da zona do euro também vão se reunir para acelerar os detalhes sobre a ampliação do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, decidida no dia 27 de outubro.

G-20 quer investimento em infraestrutura nos pobres

Reformas simples eliminariam grande parte do risco de investir nos países pobres, liberando bilhões de dólares de dinheiro contido e fornecendo um impulso bem-vindo para a economia mundial, segundo um relatório que será apresentado na cúpula do G-20.

Tidjane Thiam, organizador do relatório, acredita que líderes mundiais aprovarão um plano para impulsionar o investimento em infraestrutura em países em desenvolvimento que inclui a reforma do Banco Mundial e seus pares regionais, mas não atinge os contribuintes.

- Precisamos de crescimento. Não vamos sair dessa crise apenas com a redução dos déficits - disse Thiam à Reuters. - Em um momento era importante convencer todos de que precisávamos cortar déficits, mas agora todos estão pensando "como vamos tirar as pessoas dessa situação pensando apenas em cortes?".