Título: Mercado imobiliário à cubana
Autor: Lage, Janaina
Fonte: O Globo, 04/11/2011, O Mundo, p. 30

Com restrições, moradores terão direito pela 1ª vez desde a revolução a comprar e vender casas

Apartir de quinta-feira, os moradores cubanos poderão ganhar - mais de cinco décadas depois da revolução de Fidel Castro - o status de proprietários. Eles terão o direito de comprar e vender imóveis, em uma das maiores iniciativas do presidente Raúl Castro para dinamizar a economia e tentar resolver o crescente déficit habitacional do país, estimado pelo governo em 600 mil casas, ou em mais de 1 milhão por economistas. Mas o "novo mercado" já nasce com uma série de restrições que garante o controle do Estado e impede a entrada de investidores estrangeiros em Cuba.

A escassez de imóveis e a proibição de comprar e vender levou a um quadro insustentável. É comum encontrar três ou quatro gerações de uma mesma família compartilhando a mesma casa. Em Cuba, o divórcio nem sempre é o fim do relacionamento: sem imóveis disponíveis, muitos casais separados continuam a morar juntos. A população tratou de driblar o que o Estado não resolvia e a ilha desenvolveu um amplo mercado negro de imóveis movido a transações financeiras sem registro (e, portanto, sem direito a recursos) e pagamento de propina. Para facilitar transferências, muitos se envolveram em casamentos de fachada.

Falta de moradias e de conservação

Em 2005, segundo relatório do Instituto Nacional de Habitação de Cuba o país contava com 43% das moradias em más condições ou em estado regular. Economistas estimam que o percentual ultrapassa os 50%. Na época, o governo anunciou um programa de construção de 150 mil novas unidades habitacionais, além de investimentos em conservação. Na prática, os esforços continuam aquém da necessidade de novas casas e da reposição das que se encontram em condições precárias. Segundo o economista Oscar Espinosa Chepe, a média de construção dos últimos anos fica em torno de 30 mil novos imóveis. Ele ressalta que os cubanos se ressentem da falta de mão de obra especializada, o que dificulta iniciativas próprias de recuperação dos imóveis.

A nova Lei Geral de Habitação faz parte de um pacote colocado em marcha pelo presidente para atualizar o modelo de produção cubano. As medidas anunciadas suspendem proibições, flexibilizam o trabalho sem vínculo direto com o Estado e permitem a compra de automóveis. As novas regras de moradia preveem que cada cubano terá direito a ser dono de, no máximo, um imóvel na cidade e uma casa de veraneio. A nova legislação deixa claro que as regras só são válidas para pessoas que nasceram em Cuba e moram no país e para estrangeiros que fixaram residência permanente na ilha. Cubanos que vivem fora do país não poderão comprar imóveis em razão da exigência de moradia. Mas comunidades que vivem nos EUA já estudam meios de enviar recursos para ajudar as famílias a adquirir os imóveis.

- A lei é um passo importante, representa o reconhecimento da propriedade privada. Existem aspectos positivos, mas há muitas limitações. O governo não levou adiante uma política real de abertura - disse Chepe.

Publicada no site da "Gazeta Oficial de Cuba", a maioria dos cubanos ainda não teve acesso aos detalhes da legislação por conta da dificuldade de acesso à internet. Com um salário médio de US$20 por mês, muitos questionam a capacidade real de desenvolvimento do mercado sem o auxílio de cubanos que vivem no exterior.

- Isso vai me ajudar porque tenho algum dinheiro e poderei comprar uma casa melhor - disse Oscar Palacios Delgado, funcionário de manutenção de escritórios de 68 anos, que pede ao governo mais facilidade para a compra de material de contrução.

Governo estipula imposto de 4%

O governo será um dos principais beneficiários das novas regras com um aumento de arrecadação. A lei determina um percentual de 4% de imposto sobre o valor da propriedade, que deve ser pago pelo comprador e pelo vendedor. A mesma taxa é cobrada em operações de permuta, fechadas mediante a presença de um tabelião. Se houver diferença entre os valores dos imóveis, as partes podem acertar uma compensação financeira. No ato da compra, o interessado precisa declarar sob juramento que não é dono de outro imóvel. É necessário apresentar um cheque de um banco cubano com a provisão prévia de recursos para efetuar a transação. Não existe financiamento.

Em caso de morte do proprietário, o imóvel é repassado aos herdeiros legais ou definidos em testamento. Se já tiverem um imóvel, terão de se desfazer dele. Se houver mais de um herdeiro, os que não ficarem com a casa precisam ser compensados financeiramente, o que pode levar a um aumento de questionamentos na Justiça.

A medida deve provocar uma mudança na ocupação de Havana e de outras cidades. O próprio governo reconhece no texto da lei que ela promoverá "uma reacomodação voluntária dos espaços habitáveis entre as pessoas". Em um mercado imobiliário praticamente estagnado por mais de 50 anos, ninguém sabe ao certo quais serão os efeitos da liberdade de compra e venda.

Com agências internacionais