Título: STF confirma tese de que dirigir bêbado é crime
Autor: Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 04/11/2011, O País, p. 11

Decisão cria precedente para casos em que juízes livram condutores alegando inexistência de danos a terceiros

BRASÍLIA. Por unanimidade, os ministros da 2ª turma do Supremo Tribunal Federal (STF) entenderam que motorista flagrado embriagado, mesmo que não cause acidente, responderá criminalmente pelo ato. Para o relator do processo, Ricardo Lewandowski, não é necessário o infrator ter causado algum dano para ser responsabilizado. Para o ministro, é irrelevante se algum bem foi atingido.

A decisão do STF, de fim de setembro, não cria efeito vinculante. Ou seja, não precisa ser seguida automaticamente por todo o Judiciário, mas cria um precedente para ser usado em outros casos em que juízes livram motoristas embriagados da acusação de crime alegando a inexistência de dano a terceiros.

"É como o porte de armas. Não é preciso que alguém pratique efetivamente um ilícito com emprego da arma. O simples porte constitui crime de perigo abstrato porque outros bens estão em jogo. O artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro foi uma opção legislativa legítima que tem como objetivo a proteção da segurança da coletividade", afirmou Lewandowski em seu voto, referindo-se ao artigo do código que prevê a responsabilidade do motorista.

O caso no STF refere-se ao motorista Juliano Pereira, da cidade de Araxá (MG). Ele foi denunciado por dirigir bêbado. Um juiz de primeira instância em Minas considerou inconstitucional o artigo do código que trata do tema e interpretou ser necessário haver dano para existir crime. Por essa razão, absolveu o motorista.

O Ministério Público estadual recorreu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que decidiu pela continuação da ação. A Defensoria Pública, então, pediu ao STF o restabelecimento da absolvição sob o mesmo argumento do juiz, de que só há culpa na existência de "ofensa jurídica relevante". A Defensoria considerou o comportamento do motorista apenas "inadequado". O motorista recorreu ainda ao STJ, que também negou o habeas corpus.

"Direito individual não pode ficar acima do coletivo"

Autor do projeto da Lei Seca, o deputado Hugo Leal (PSC-RJ) comemorou a decisão do STF e afirmou que beber e dirigir é crime, mesmo que não haja feridos ou mortes:

- Ficou demonstrado que o direito individual não pode estar acima do direito coletivo. Essa decisão reforça que estamos no caminho certo.

O artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro prevê penas para quem conduz veículo com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas: detenção (de seis meses a três anos), multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir.

Professor de segurança de trânsito, David Duarte Lima, da Universidade de Brasília, também elogiou a decisão do STF:

- Atendeu não só ao clamor popular, de grande parte da sociedade. Mas ao bom senso. Vai virar uma referência. E também não cabe o argumento de que soprar o bafômetro é produzir prova contra si. Se fosse assim, todos deveríamos nos recusar a passar pelo raio X dos aeroportos. Podem encontrar nas malas objetos cortantes e até armas.

AGU cobra restituição de motorista negligente

A Advocacia-Geral da União (AGU) e a Previdência Social cobram a restituição de cerca de R$90 mil numa Ação Regressiva de Trânsito. O governo pretende processar todo motorista que causar acidente por negligência, após cometer infração gravíssima. A ação visa o ressarcimento ao erário dos valores pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a título de indenização e pensão à família das vítimas.