Título: Portugal e Espanha, os calotes da vez na Europa
Autor: Nogueira, Danielle; Durão, Mariana
Fonte: O Globo, 29/10/2011, Economia, p. 33

Para analistas, pacote de socorro não resolve e ainda pode reduzir crédito para governos e bancos de países periféricos

RIO, BRASÍLIA, NOVA YORK, BERLIM e BRUXELAS. A aprovação da ampliação dos recursos do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef), na quinta-feira, é um claro sinal de que os líderes da União Europeia (UE) estão dispostos a replicar o modelo de resgate grego a outras economias em dificuldades, na avaliação de especialistas. E os potenciais candidatos a receberem esse socorro são Portugal e Espanha, cujos níveis de endividamento e desemprego têm assustado investidores.

- A decisão de perdoar parte da dívida grega foi tardia devido a uma crise de liderança na União Europeia. Mas agora parece haver um consenso político de que os governos vão arcar com os custos do socorro. A decisão de turbinar o fundo europeu sinaliza que outros pacotes semelhantes virão. Portugal e Espanha são os candidatos mais prováveis, pois são os que enfrentam mais dificuldades - diz o economista Antonio Corrêa de Lacerda, da PUC-SP.

O Feef passará dos atuais 440 bilhões para cerca de 1 trilhão. Também foi acordado que credores privados perdoarão 50% da dívida grega que detêm. Embora o anúncio traga alívio imediato ao mercado, Luiz Carlos Prado, economista da UFRJ, lembra que o socorro não resolve o problema e pode trazer obstáculos para governos e bancos de países periféricos captarem os recursos necessários para a retomada do crescimento:

- Deve haver uma aversão à concessão de empréstimos aos bancos desses países. Isso pode contribuir para um longo período de estagnação ou baixo crescimento na Europa.

Brasil pode ser afetado por um aperto no crédito

Para o vice-presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o perdão da dívida imposto aos credores da Grécia também terá reflexos para o crédito ao comércio exterior, inclusive no Brasil. Os bancos europeus, diz, serão mais cautelosos na avaliação de risco e concessão de empréstimos.

- Isso pode elevar o custo e o volume de recursos disponíveis para o crédito ao comércio exterior. Apesar do alto nível de reservas e baixo risco, o Brasil pode ser afetado.

O cientista político Maurício Santoro, do MBA de Relações Internacionais da FGV, frisa que os problemas estruturais da UE - como as diferenças de competitividade entre os países - persistem. E ressalta que, apesar de Espanha e Portugal estarem em situação delicada, a maior preocupação é com a Itália.

- Pela dimensão de sua economia (a terceira maior da zona do euro, atrás de Alemanha e França), os efeitos de um calote são potencialmente mais graves - disse Santoro.

Avaliação semelhante foi feita pelo jornal americano "The New York Times" em editorial. Este afirma que, até que os detalhes do pacote sejam conhecidos, "não ficará claro se a Europa mobilizou dinheiro e vontade política suficientes para interromper o contágio que ameaça Itália, Espanha e até França. E a Europa está apenas lidando com os sintomas da crise, não com as causas subjacentes".

Otávio Fakhoury, sócio da Mauá Sekular, lembra a elevada exposição de bancos europeus à dívida italiana.

- O perdão de 50% da dívida italiana significaria um calote de 1 trilhão. O pacote de ontem (quinta-feira) pode ter sido a solução para a Grécia, mas a mesma receita não poderá ser usada para a Itália.

A imprensa alemã também apontou a Itália como um dos pontos fracos da cadeia do euro. Teme-se que, apesar das promessas do premier Silvio Berlusconi, a Itália não faça as reformas necessárias, devido às posições da Liga Norte, que faz parte da coalizão do governo, ressaltou a revista "Der Spiegel".

Questiona-se ainda a eficácia do pacote. O jornal "Frankfurter Allgemeine Zeitung" afirmou ontem que "quem acredita que a crise passou seu pico está terrivelmente enganado". Já o "Die Tageszeitung" garantiu: " 1 trilhão não vai bastar, porque nem 2 trilhões seriam suficientes. (...) A crise só vai acabar quando o euro se tornar uma moeda como o iene, o dólar e a libra".

China deve impor condições, diz autoridade ao "FT"

O Brasil só aceitará liberar recursos para ajudar países europeus em crise por meio do Fundo Monetário Internacional. Essa ideia será defendida na reunião do G-20 na semana que vem em Cannes, na França. Ao mesmo tempo, seriam discutidos avanços na reforma de cotas da instituição, para dar mais voz aos emergentes.

A China, por sua vez, deve impor condições para investir no Feef. Uma delas seria que a UE parasse de criticar a política cambial chinesa, afirmou ao jornal britânico "Financial Times" Li Daouki, membro do Comitê de Política Monetária do Banco Central chinês.

COLABOROU Martha Beck, com agências internacionais